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sexta-feira, 10 de outubro de 2025

O malfadado START/STOP

Uma das piores criações da indústria automotiva é o famigerado botão START/STOP que desliga o carro no semáforo.

Ninguém gosta do sistema, é irritante e dá impressão que o carro morreu no semáforo, e hoje ainda por cima, me dei conta de um dos piores fatos dessa geringonça pela lerdeza dos carros no sinal (semáforo).

Numa cidade grande (e essa porcaria foi feita para cidades grandes, no intuito de economizar combustível e realizar menos emissões), com 5 carros na sua frente parados no semáforo, se cada um demora uns 4 segundos para arrancar, são mais 20 segundos de inatividade. Multiplique isso por uma fila de 20 carros: 100 segundos, mais de um minuto. Isso só vai piorando o trânsito já emperrado.

E o pior da maioria desses START/STOP é que eles vêm ativados toda vez que se liga o carro. Assim, a gente tem que lembrar de desativá-los sempre.

Sem falar que economiza quanto de combustível? Duvido que o que você economiza de combustível dê para comprar uma bateria especial para esse sistema que custa mais que o dobro das comuns.

Algumas invenções são feitas por engenheiros dentro da fábrica - quando saem para a rua, se vê que muitas porcarias são plenamente dispensáveis...

Sou da campanha pela extinção dessa droga!

quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Blade Runner (1982) - Like tears in rain...





Vi de novo Blade Runner, o original de 1982, e que fantástico é esse filme.

A trama psicológica é a que importa, o peso psicológico que os Replicantes, andróides que têm a duração máxima de 4 anos para não desenvolverem sentimentos humanos, carregam é uma constante no filme.

Eles não compreendem o porquê do fato que suas vidas têm duração finita, e que apesar de serem mais fortes e mais rápidos, convivem com esse dilema.

O filme é belíssimo, a chuva o tempo todo incomoda e faz um clima mais noir ainda, e ainda por cima, sempre de noite.

E Deckard (Harrison Ford) o caçador dos Replicantes que estão ficando revoltosos por estarem sentimentais também, se apaixona por uma Replicante (Sean Young) e deixa de caçá-la para fugir com ela.


E ainda tem a trilha sonora do Vangelis, que foi feita para se escutar no último volume com aqueles bumbos ressoando em cada compasso, mantendo o clima de vanguarda e ao mesmo tempo noir.

E no fim, o Replicante mais inteligente, Roy (Rutger Hauer - que morreu na vida real no mesmo ano que morreu seu personagem Replicante, 2019), pronuncia essa frase famosa, que diz que "todos esses momentos serão perdidos no tempo... como lágrimas na chuva." 



Poético pra caramba: mostra a consciência da morte e sua efemeridade de sua existência (pensamento que tentamos evitar a todo custo), bem como o sentimento humano que tinham os Replicantes... 

Uma curiosidade: o filme foi baseado no livro "Do androids dream of electric sheep?" (Androides sonham com ovelha elétrica?) e o nome Blade Runner vem de outro livro de um vendedor de navalhas, mas que era cool demais para desperdiçar...

"You will be required to do wrong no matter where you go. It is the basic condition of life, to be required to violate your own identity. Philip K. Dick, Do Androids Dream of Electric Sheep?"

QUE FILMAÇO!




Pão do Reco

Minha avó de pai tinha uma mania que eu adorava: na cristaleira da copa, tinha uma gaveta separada que sempre tinha pão.

O pão ficava solto dentro da gaveta, sempre forrada com o papel do saco de pão e era tão reconfortante chegar na casa da vovó e abrindo a gaveta, sempre ver que tinha pão novinho e do dia.

E minha avó sempre abastecia a gaveta umas três vezes por dia, indo na padaria de manhã, depois do almoço e de tardinha. Era o meu confort food.

E eu uma vez abr a gaveta e tinha um pão diferente, meio doce, meio rosca: eu estava sendo apresentado ao pão sovado, que minha avó comprava para jogar para o Reco, o cachorro dela, que ficava lá fora no terreiro.

E uma vez eu falei: - Ô vó, pão caro e gostoso demais pra jogar pra cachorro... 

Ela passou a comprar mais pão sovado, e sempre que eu chegava na casa dela de tardinha, minha vó falava:

- Paulinho, tem pão do Reco...

E eu adorava isso! Que falta fazem os avós, né?

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Causos de Jaqueira - Dia que o mundo ia acabar

  Tinha um cabra lá em Caruaru que cresceu ouvindo de seus pais que o mundo ia acabar no ano 2000.

E ele morria de medo.

Alguém tinha dito prá ele que de 1000 passou e de 2000 não passará, e aquelas estórias todas cada vez mais o deixavam mais azoado.

E era um curau que tinha até alguma terrinha, tinha até uns cabritinhos e até um cavalinho.

E ele aterrorizava sua própria família com o tal de fim do mundo.

E foi chegando o final do ano de 1999.

Chegou dezembro, ele parou de trabalhar, começou a vender tudo e logo na passagem do ano se embebedou tanto com os amigos já se preparando para morrer, e voltou para onde tinha deixado sua mulher e os filhos – na casa de sua sogra e os matou todos com uma extrovenga.

E troncho de bêbado, achando que tinha evitado de sua família sofrer com o fim do mundo, saiu cambaleando, até que caiu rolando numa ribanceira e morreu...

Realmente o mundo acabou no início do ano 2000 para ele e sua família...

E tombém escutei causos de gente que num é doida ter bebido prá num ver o mundo acabar...

Tem inté umas minina que quase morreram de medo...

Causos de Jaqueira - Véia do Catimbó

 Diz que lá no Alto da Boa Vista tem uma véia catimbozeira.

Ninguém viu, ninguém sabe onde é, mas que existe, existe.

E a véia só atendia à noite.

E lá foi uma menina que queria arrumar namorado.

E a menina teve de subir a escadaria toda de Jaqueira de noitão, depois da hora dos morto vivo, lá prá meia noite, prá mode de ir consultar com a Catimbozeira.

E a véia tava que batia seu catimbó, o tambor gritava que assustava todo mundo, e a menina entrou lá morrendo de medo.

E tava uma fumaceira dentro da casa da véia, a véia só de olhar dava medo, e a menina foi se chegando.

Sentou num pedaço de toco que a véia mostrou prá ela e ficou esperando, morrendo de medo, já até aperreada com a idéia de ter inventado de ir naquele lugar de doido àquela hora da noite.

E a véia dançava, gritava, a menina cada vez mais apertada, e quando a véia apareceu com uma galinha e cortou o pescoço da galinha, foi o suficiente prá menina levantar e sair correndo.

Nunca mais quis saber dessa estória de Catimbó.

E nunca contou prá ninguém onde era.

Por ninguém sabe onde é, até hoje...

Causos de Jaqueira - Padim Ciço também leva lapada

 Teve um cabra que tava com problemas com sua mulher.

Ele tava achando que a mulher andava corneando-o, e tava muito freado com isto, já sendo motivo até de mangação quando ia cortar cana.

Seus companheiros de conta, caçoavam dele no caminhão, mangavam na hora de comer e na hora de vir embora, e ele cada vez mais ficava encucado com essa estória de estar carregando uma galhada na cabeça.

E o corte de cana não rendia-lhe pensamentos para tirar de sua cabeça sua mulher deitando com outro cabra da peste.

- Que que é que eu faço? – pensava ele enquanto corria a estrovenga pela cana queimada.

Pensou, matutou, e resolveu ir pedir uma bença a uma estátua de Padim Ciço que tinha na praça de sua cidade.

Matutou o dia inteiro na cachola como é que ia pedir prá Padim Ciço "arresolver" seu problema. E a estrovenga ia e vinha, a cana deitava, e a cachola queimava.

E num era sol não.

No final do dia, depois que o sol se pôs e o caminhão os veio buscar no canavial, ainda sujo do corte de sua conta, debaixo de uma mangação arretada na carroceria vinda de seus colegas, resolveu descer na pracinha e ir conversar com a "estauta" do Padim Ciço, como ele dizia.

Se chegou perto da estátua, olhou pro semblante calmo e sereno de Padim, sua bata escura e seu chapéu e pediu em voz baixa, prá que seus amigos não o escutassem:

Padim padim Ciço, me ajuda a descobrir se minha mulé tá me corneando e se tiver faz ela parar de me trair. Mas pelo menos me mostra a cara do cabra safado que tá fazendo minha mulé.


E lá se foi prá casa, freado com aquela situação.

A sua mulher, como sempre, de banho tomado, com um sorriso no rosto que irritava a ele cada vez mais, o recebia sempre com um munguzá bem quentinho e às vezes um cuscuz.

Mas ele tava aperreado.

E um dia ele tramou: mesmo sabendo que se ele não fosse cortar a sua conta de cem braças quadradas aquele dia ele perderia sua cota de seis reais e cinquenta centavos (o que fazia diferença prá ele) ele resolveu cabular o corte e armar uma armadilha prá safada da mulé.

E acordou de madrugada como todos dias, tomou seu cafezinho ralo, feito sem coar, pegou seu bornal e fingiu que foi tomar o caminhão.

Mas foi se esconder atrás do cemitério.

E lá ficou bem uma meia hora.

E de mansinho, mansinho, voltou prá casa, sem fazer barulhinho nenhum, sem cumprimentar ninguém na rua – passou de cabeça baixa, com o chapéu cobrindo o rosto.

Chegou na sua casa, e a meia porta estava aberta pela folha de cima.

Botou o ouvido dentro da casa e ouviu um nheco nheco que lhe incomodou.

Prá não fazer barulho, pulou a meia folha da porta e entrou devagarzinho na sua casinha.

O quarto ficava atrás de um móvel que fazia a divisão da salinha e da cama – ele de repente aparece por detrás do móvel e o que vê?

Sua mulé atracada com um cabra que só dava prá ver o traseiro branco dele.

Pegou do porrete e começo a distribuir pancada, suas vistas ficaram vermelhas, quebrava tudo e batia, batia, batia.

Onde pegasse, prá ele tava bão,

E o cabra que tava fazendo sua mulé se escafedeu pela janela dos fundos.

Ele só se deu conta que o home já tinha fugido, quando viu o pano que cobria a janela voando e a janela aberta.

A mulé tava que era só roxo, a cama tinha quebrado, as louças tavam espalhadas pelo chão – tudo era uma bagunça só.

E ele, ficando ainda mais brabo, sai prá rua atrás do cabra safado.

Mas o cabra correu numa carreira de quem viu o diabo pela fresta da porta e o corneado num alcançou ele.

Mas chegou, ofegando, lá na pracinha onde tinha o Padim Ciço.

Ainda com o porrete na mão olhou prá estátua e começou a bater nela com o porrete, destruindo-a, pois a mesma era de gesso.

E foi voando caco prá tudo que é lado.

E o cabra gritava:

- Eu pedi prá resolver o meu problema Padim Ciço, e não prá chegar em casa e ver o traseiro do cabra safado e continuar corneado!!

E foi assim que a estátua daquela pracinha virou pó...

Causos de Jaqueira - Sinhá Frôzinha

 Diz que no mato tem uma menina que toma conta da caça.

É a menina Frôzinha, Sinhá Frôzinha, Maria Frôzinha.

Muitos já viram ela, muitos já souberam que ela esteve perto deles na mata, mas nunca ninguém conseguir matar a bicha.

Quem viu, num sei, diz que é uma menina clarinha, linda, de vestidinho branco, que aparece depois de um assobio agudo e comprido que faz a espinha inté arrepiar.

Uma certa noite, um cabra saiu sozinho prá caçar tatu no mato.

E levou dois cachorros, seus melhores farejadores.

E foi se guiando pro meio dos pé de árvore, se embrenhando cada vez mais na mata.

E cada vez mais ele ouvia um assobio esquisito.

Será que é Maria Frôzinha? Lesêra, pensava ele...

E o assobio foi ficando mais e mais agudo e perto.

Chegou uma hora que os cachorros sairam correndo pro meio do mato e ele pensou: é agora que eu pego um tatu.

Foi aí que veio o assobio mais assustador da vida dele: pior que o assobio da usina!

E logo em seguida, ele escutou os cachorros chorando e gritando, até que eles voltaram correndo, com as costas todas lapadas, sangradas de cada verga que só vendo.

E os bichinhos ficaram ali, amuados no pé do dono.

Mas ele achou que foi uma onça e largou os cachorros se cagando de medo e se meteu na direção de onde os coitados vieram.

Prá quê!

Tomou umas lapadas ele também e ficou surdo de um ouvido, tamanho o assobio que ele escutou no seu ouvido esquerdo.

Foi então que ele desmaiou.

E só no outro dia ele acordou, suas feridas secas, mas doendo prá diacho, os cachorros ganindo perto dele, e sua garrucha desaparecida.

Foi Maria Frôzinha que num deixou o cabra entrar na floresta sem antes pedir licença e dar um presente prá ela.

Prá poder entrar em uma mata e não ser incomodado pela Sinhá Frôzinha, ele tinha que ter chamado ela antes de entrar na mata e deixado um fumo de corda prá ela.

Ou então ter passado pimenta nas costas prá mode de Frôzinha num lapá ele não.

Quem duvida, paga o preço.

Causos de Jaqueira - Bode Preto

 E tinha um caigueiro que tava caminhando à noite com seus cabras cambiteiros pelas matas de Jaqueira.

Eram vinte cabras macho, que nada temiam.

E o caigueiro ia na frente puxando o povo, com seu chapeuzinho de couro, e seu jeguinho de estimação.

E pararam numa capoeira prá fazer pouso durante à noite.

Mas o caigueiro sabia que mais adiante tinha um rio e pediu que um dos seus cambiteiros fosse lá pegar água prá mode de abastecer o acampamento.

Depois que as bestas descansaram, o cambiteiro partiu, tendo como companhia só seu jumentinho e Deus.

E foi seguindo a picada.

Lá mais na frente tinha um pé de jaca que ele conhecia, e que ele sabia que logo depois passava o rio.

Cabra macho, só sob a luz das estrelas, tocou o jumento até que o bicho empacou umas três ou quatro braças de distância do pé de jaca.

E cutuca espora ali, e aqui e o jumento nada.

E o cabra começou a ficar aperreado com a besta, xingando o pobre animal de tudo quanto era nome que ele lembrava.

E o jegue só virava as orelhas prá trás e prá frente, e num arredava o pé.

Foi aí, no meio de um grito que o cabra parou.

Detrás do pé de jaca, de uma veizada só, saiu um bode preto que soltava fogo pelas ventas!

E cada bodejada do bicho soltava uma língua de fogo do tamanho de um braço de homem.

E o cabra se borrou todinho de medo e desmaiou.

O jegue, que de burro só tem o nome, disparou de volta pro acampamento.

Chegando lá arriado, todo troncho em cima do jumento, os outros cabras tiraram o cabra todo catinguento de cima do bicho.

E se perguntaram o que tinha acontecido, e o mais importante para eles: onde estava a água que o diacho tinha ido buscar?

Quando o desgraçado acordou, todo fedendo, tomou a maior mangação da vida dele.

E o chefe, o caigueiro, freado da vida, resolveu ir lá buscar a danada da água.

E num foi que ele nunca mais voltou?

Os cambiteiros tão esperando até hoje.

Causos de Jaqueira - Jacaré

 Jaqueira tem muito pouca chuva, mas quando chove é de arretar!

Quando vieram lotear Jaqueira, resolveram esticar umas curvas que o rio fazia prá mode de botar umas casas, e arredaram uma curva do rio, mais pro Sul, bem perto de onde é a ponte que entra na cidade.

Acharam maravilhoso, agora o rio tava reto, podia construir na margem e inda mais teve cabra que achou que o rio tinha ficado até mais bonito.

Era o rio Pirangy, que vai lá na frente se juntar ao rio Una, indo em direção ao mar.

Esse rio é a benção da região, apesar de levar algumas descargas da usina e mesmo de esgotos – mas mesmo assim, inda é água, é vida.

Mas a natureza não gosta que bole com ela não.

E o rio ficou freado de ter que andar na linha feito trem, tirando suas curvas.

Passou a andar mais rápido, ficou mais raso, e de raiva, começou a desbarrancar as margens, se alargando e raseando ainda mais.

E São Pedro resolveu lavar o céu – diziam os curaus.

E tome chuva, tome raio, e o rio, prá dar sua contribuição, resolveu se "alevantar" do leito e voltar pro leito original, só prá lembrar os tempos antigos.

E inundou a parte baixa da cidade.

E o pessoal de Jaqueira, povo sofrido, mais uma vez sentiu o flagelo das águas lapando no lombo.

Mas se viraram, como sempre se viram em enchente.

Tem gente que infelizmente perde tudo o que tinha (que era quase nada...).

Tem gente que assiste a criação descendo a enchente, isso quando num é os próprios parentes.

E depois da enchente, desce todo mundo na lamera prá mode de ver a altura que a água estagnou na pinturas das casas, medindo com a palma da mão.

E num foi que numa medição dessas, que viram um jacaré de quase duas braças numa poça d'água?

E o povo ficou estarrecido: um jacaré, ali, em Jaqueira, em pleno interior de Pernambuco?

E toda a cidade correu prá mode de ver o bicho.

Mas o bicho foi ficando aperreado com tanta gente olhando prá ele que acabou querendo morder o povo.

E o povo, já brabo porque a água tinha levado suas coisas gritava:

A enchente levou tudo, mas o jacaré num leva nada não!!!

E mataram o bicho à pauladas e depois comeram a carne.

E é?

Causos de Jaqueira - O Derruba

 No engenho, todos conheciam o Derruba: um negro forte que cortava cana como ninguém: era só ele entrar prá dentro da conta e as canas irem caindo.

E os peões só gritavam das outras contas: Derruba, derruba.

E o negrão respondia: Ruba, ruba.

E quanto mais gritavam, mais as canas caiam.

E no final de um dia, um dos trabalhadores estava numa estrada voltando do engenho, quando viu um cabra olhando para dentro de um canavial, parado no aceiro, perto da curva do cachorro, como se estivesse se aliviando.

E o cabra gritou; Derruba!

E nada do sujeito virar e a noite estava escura (como sempre!).

Gritou de novo: Derruba!

E nada.

Resolveu ir caminhando prá perto do homem, achando que o Derruba tava mangando dele.

E chegou, mas no escuro, na luz das estrelas, viu um corpo de homem, do tamanho do Derruba, mas sem a cabeça, virado para o canavial.

Um arrepio subiu em sua espinha, e suando frio, de oiti apertado, resolveu andar de mansinho prá longe da malasombra, porque a gente não pode correr de malasombra senão ela vem atrás.

E num foi que um cachorro branco surgiu do nada de tanto ele rezar e foi indicando o caminho pro cabra voltar prá cidade?

E o cabra ia andando, andando, sem olhar prá trás, seguindo o cachorro, e apertado com medo do homem sem cabeça aparecer na frente dele.

E cada vez mais o cachorro apertava o passo.

E o cabra ia correndo atrás.

Quando o cabra deu uma olhada prá cima e viu a luz da cidade, respirou fundo, tornou olhar prá trilha, mas o danado do cachorro tinha sumido...

Causos de Jaqueira - As tochas

Em Jaqueira, todo mundo já ouviu falar de tocha – uns já até viram.

Dizem que em noites escuras (já viste noite clara?), as tochas aparecem nos campos, como uma bola de fogo que vem descendo e descendo o morro até o sopé.

E quase sempre a tocha dança, prá lá e prá cá, até que outra bola de fogo se junta à ela.

Mas o que são as tochas ?

São os espíritos dos compadres ou comadres que namoravam com os maridos ou esposas escondido e foram mortos de surpresa.

Agora, coitados, só resta à eles consumarem o fogo de seu amor como tochas, encontrando-se nas matas prá relembrar o seu namoro.

E se um cabra tá andando pelo mato afora e vê uma tocha, sempre evita o lugar prá num perturbar o amor dos compadres.

Causos de Jaqueira - O Beco de Catende

 Lá em Catende, tinha um beco que ninguém passava.

Prá variar, diziam que tinha malasombra.

E tinha um cabra muito desconfiado, que todo dia dava uma volta enorme prá evitar aquele danado daquele beco.

Mas um dia ele resolveu que aquilo era estória de malasombra e que num tinha nada não.

E passou pelo beco.

E lá na ruela, só tinha uma casinha, e na porta dessa casinha ele viu a mulher mais linda que ele viu na vida.

E chegou prá conversar com ela.

E ela convidou prá entrar.

E eles se entenderam.

E se amaram.

E no final de tanta folia, o cabra satisfeito que tinha feito amor com uma mulher tão bonita daquela, puxou conversa:

Engraçado, num sabia que nesse beco morava uma mulé tão quente e tão linda como tu. Ninguém passa nesse beco porque num tem coragem.

No que a mulher respondeu:

É. Quando eu era viva também num tinha coragem de passar por aqui...

Causos de Jaqueira - Padim Ciço

 Certa vez, pediram prá um casal prá levar uma menina pequena, muitcho pequena prá ir ver Padim Padim Ciço.

E o casal levou a menina, mas a contragosto.

A menina era quietinha, num dava trabalho, era asseada e num chorava.

Mas o casal sem alma num gostava não, seu moço.

E pararam no meio duma capoeira prá fazer acampamento, e como a noite tava quase chegando, fizeram um fogueira, mode a onça num chegar perto, porque eles já tinham escutado os berros da bicha pelo mato afora.

Dormiram com o fogo ardendo, protegidos da onça.

Mas o casal continuava aperreado com aquela menina.

E resolveram de noite, que quando acordassem, iriam apagar o fogo e deixar a menina prá trás prá onça comer.

E assim fizeram, logo cedo pela manhã.

A menina dormia o sono dos inocentes, sonhando que iria a Juazeiro prá ver Padim Ciço.

E a onça logo chegou e comeu a menina.

E lá na frente, várias braças de caminhada, o casal escutchou, satisfeito, os gritos da menina e da onça.

Ficaram contentes de se livrar do fardo, e da onça estar de buxo cheio.

E tocaram prá Juazeiro.

Depois de muito suor, muito chão, lá chegaram.

Entraram na igreja e emocionados viram a imagem de Padim Ciço.

Ajoelharam-se e ficaram admirando-o, quando detrás do altar surge a menininha e diz que pela graça de Padim Ciço ela tava ali prá ver ele, mesmo depois de morta.

E que os dois podiam sair da igreja, já que Padim já os tinha excomungado...

Causos de Jaqueira - O azar do Cajá

 Em volta de Jaqueira imperam as plantações de cana.

Como eles mesmo dizem é cana que num acaba mais – morros e morros de monocultura de cana, comendo o chão, secando a terra, rachando o solo.

E os cabras cortam tudo que vêm pela frente prá encher a terra de cana.

Mas tem uma árvore, só uma, que eles preservam – é o pé de cajá.

Dizem que se cortar dá azar.

Mas teve um curau, desconfiado – sempre tem um – que resolveu meter o machado prá cortar um pé de cajá enorme no meio de sua plantação, porque toda vez que os peões iam cortar cana, ela atrapalhava prá medir as contas.

Então meteu o machado no pé de cajá. Plantou cana. Ficou pensando, feliz, que na hora de medir a conta de cem braças, não ia ter que aturar o peão cortando menos cana que devia, só porque o pé tava lá no meio da conta.

E veio o verão, a cana cresceu, botaram fogo nela, como sempre, prá tirar as palhas e aqueles cabelinhos que entram na mão e machucam e depois que o calor abaixou, entraram os peões, que tinham descido do caminhão e começaram a cortar a cana, de acordo com as contas que o cabo tinha marcado à mando do capitão dono do engenho.

E ninguém queria cortar a conta que o capitão tinha derrubado o pé de cajá – todos sabiam qual era – dava azar.

E foi um tal de eu não, eu não, que o capitão, ele mesmo, que já nem tava com as mãos calejadas de cortar cana, porque agora ele só administrava, resolveu ir lá naquela conta e ele mesmo cortar.

Desceu de seu cavalo, passou uma bronca no seus cabos dizendo que eram muito bestas, que num prestavam, mandou todo mundo de volta pro engenho, pegou da estrovenga e foi lá cortar cana daquela conta.

E foi cortando, cortando, cortando, e a cana ia deitando no chão como se obedecesse seu mestre.

Mas foi aí, bem no lugar que ele tinha derrubado o danado do pé de cajá, que ele meteu os pés pelas mãos, e mandou a estrovenga na canela.

Foi um corte fundo, e ele mal conseguia andar, mas foi perdendo sangue, que escorria prás canas, tingindo-as de vermelho, e o cabra sozinho, se arrastou até o lugar onde tinha apeado de seu cavalo.

E cadê o cavalo ?

Tinha fugido, e ele ali tava aperreado, sem comer, no meio do nada, o sol rachando no coco, e o sangue descendo.

Desmaiou, o coitado.

E sonhou....

No sonho viu um anjo, desses com asas muitcho brilhantes que lhe disse: Meu filho, tu sabes que cortar pé de cajá dá azar – olha no que deu.

Acordou assustado com seus peões chegando de caminhão prá cortar cana no outro dia.

Mal deu prá chegar com ele na cidade, pré mode de poder enfaixar o pé.

E a ferida custou muito a cicatrizar...

Vai cortar pé de cajá, vai!

Causos de Jaqueira - A Malassombra do Alto da Boa Vista

 Lá no Alto da Boa Vista, subindo as escadarias de Jaqueira, tem uma rua de chão que vai de fora a fora.

No final da rua, indo pro engenho de Barro Branco, tem um pé de jaca, grande, vistoso, numa curva.

Foi nessa curva que já viram, num é, uma malasombra no dia de finados.

A lenda conta que uma mulher, que já tava freada de apanhar do cabra do marido, resolveu juntar suas tralhas e dar no pé de casa.

O marido, cabra muitcho brabo, butou o pé na estrada e foi atrás da mulé.

Três dias e três noites levou o cabra prá encontrar a danada.

E ela tava justinho, lá perto do pé de jaca do Alto da Boa Vista.

E num foi que o cabra, cansado de correr atrás da mulé, resolveu passar a mão na faca e enfiar no buxo dela duas vezes?

E a mulé morreu lá, durinha, debaixo do pé de jaca.

E todo dia de finados, quando os mortos saem do cemitério, lá em cima aparece a mulher, triste, como uma malasombra, e fica debaixo do pé de jaca, querendo voltar prá vida e ficar sem o marido.

Mas ela conseguiu ficar livre do cabra só três dias...

Causos de Jaqueira - O Padre

 Em Jaqueira tem uma malasombra que anda lá pros lados do Alto da Boa Vista.

É um padre que depois das horas de malasombra, aparece e fica andando, andando.

Um dia, vinha um morador lá do alto, já tarde da noite, com o pão debaixo do braço, caminhando para a sua casinha.

Subia ele distraído a escadaria, já cansado, quando viu ele uma figura na rua, lá pros lados da escola da Vovó Dorinha.

E resolveu tirar uns dedos de prosa com a figura.

Caminhou o resto da escadaria e foi em direção ao morador, prá falar um pouco com ele e espantar a solidão.

Mas quando ele chegou perto viu uma batina de um padre e pensou: que será que o padre tá fazendo aqui na rua essa hora da noite?

E foi se achegando do padre, de mansinho, pois já estava aperreado, até que seu oiti trancou.

O padre num tinha cabeça e vinha vindo em sua direção.

E o cabra saiu correndo, numa carreira tão grande, jogou o pão prá cima e desambou pela escadaria abaixo.

Só parou na igreja.

Mas quando lembrou que a malasombra era um padre, continuou a correr, correr, até chegar na beira do rio.

Ali, ele parou prá respirar e dormiu lá mesmo debaixo de um pé de jaca.

E num foi?

De manhã quando chegou em casa sem o pão, apanhou da mulher porque passou a noite na rua e inda foi prá casa sem pão.

Cumé que explica prá muié?

Causos de Jaqueira - São Benedito num desce não

 Na cidade de São Benedito, perto de Jaqueira, todo ano eles homenageiam o padroeiro da cidade: o próprio São Benedito.

E eles rodam a cidade, fazem festa, procissão, e a cidade enquanto isso, foi crescendo.

E resolveram um dia também estender o tamanho da procissão: vamos descer mais com o andú pro povo ver o santo lá mais prá baixo.

E levaram o andú prá ladeira.

E toda vez que chega na ladeira, São Benedito não quer ir.

E gente que torce o pé, quebra perna, passa mal, num güenta mais carregar o andú, solta ele, pára que nem um jumento empacado, num desce mesmo.

Aí resolveram colocar um ano o andú num carro de boi.

E lá foram as beata rezando, e o andú na frente, as beata terçando, e o andú na frente.

E no meio do povo, tava o pessoal que queria que o santo descesse mais um pouco prá procissão poder ser vista por mais gente.

E num foi?

Os bois empacaram, as rodas do carro de boi travaram, colocaram azeite, laparam os bois, e nada deles andar.

Tiveram que voltar com o santo pro caminho original.

E agora, mais modernamente pros dias de hoje, resolveram colocar o santo com seu andú numa Brasília velha prá mode de descer o morro.

De carro ele num empaca – gritava o povo.

E num foi que furou o pneu da Brasília?

- Vamo arrumar gente, isso acontece...

E lá foram trocar o pneu.

Atrás deles a multidão rezando e rezando, exceto por alguns curaus que não conseguiam deixar de rir.

E trocaram o pneu e liga a Brasília e começa a descer o morro...

A procissão vai aumentar gente ! – chamava o povo,

E num foi que a Brasília coitada, vítima do santo caiu, desmaiada, com o motor emperrado e cheirando gasolina.

O santo mais uma vez não queria descer.

Foi aí que um curau mais velho falou:

São Benedito num desce não moço, lá embaixo tem outro santo que ele num "gostcha"...

Causos de Jaqueira - A Furna

 E numa outra serra, tem uma gruta, que dizem que já foi casa de bandido.

E lá o pessoal passa o fim de semana, jogando dominó, bebendo e contando causo.

É uma furna com quartos, um salão bem grandão, muito bonita e vai muita gente prá ver a beleza da pedra da furna, das cavernas.

Mas de noite, depois que passa a hora dos morto vivo, depois da meia noite, lá na pedra da furna se ouve um rugido, um grito que gela a espinha: é a fera da furna.

A fera da furna é invisível, mas tem gente que já viu, tem gente que já sentiu suas garras, e é por isso que lá na pedra da furna ninguém se atreve a ficar depois que o sol caiu.

Como me disse uma pessoa: "Cê besta, ôxe, num drumo lá nem morto"!

Causos de Jaqueira - O Guarda Chuva

 Falando em Serra, foi um curau caçar tatu numa dessas serras em volta de Jaqueira. Era caçador bão, certeiro e corajoso.

E lá foi ele atrás do tatu.

E você sabe que tatu a gente tem que caçar de noite, porque é nestas horas que o bicho resolve sair da toca prá poder caçar.

E num é? Prá ser caçado também.

E o cabra macho, todo corajoso tava seguindo uma pegadas de tatu que iam pro meio do mato, lá em direção ao canavial.

E de repente, as canas se alumiaram todinhas com um luz que ele disse que foi a luz mais fina que ele viu na vida.

E lá tava o troço: no alto, perto de onde ele estava, um guarda chuva vinha rodando, rodando, em sua direção.

Coitado, o cabra num teve força nem prá correr.

Agachou perto de um pé de cajá e abraçou as pernas e ficou lá aperreado, rezando.

E o guarda chuva veio descendo, descendo, até que chegou na frente dele.

O cabra suava, o oiti já num cortava nem cabelo mais,    já tinha se mijado todo, e o guarda chuva ficou lá, olhando prá ele.

E depois, do mesmo jeito que chegou, se foi, deixando o cabra macho manso que nem uma jaca que caiu do pé...

Causos de Jaqueira - Serra da Prata

 Tem uma outra Serra também, que é um paraíso: Deus colocou ela perto de Catende, que está a leste de Jaqueira, prá os humanos se deliciarem com suas "frutchas" – tem cada uma que só comendo prá acreditar...

Mas o espírito da mata da Serra da Prata não deixa que essas frutas saiam de lá – são frutas tão deliciosas, que só lá, e só lá, que a gente pode comê-las.

Mas num teve um homem que resolveu duvidar, que não acreditava em estória de malasombra, e foi lá tirar a limpo?

Chegou lá, se fartou com as maravilhas de frutas, se emocionou com a beleza da Serra, e resolveu tocar prá casa.

E desafiou o guardião da mata: encheu dois bornais de frutas, das mais variadas e lá se foi prá serra afora.

E o danado conhecia o caminho na palma da mão...

Mas tinha algo de estranho – seus cabelos das costas arrepiavam e seu oiti tava apertado – andava, andava, e num conseguia achar a trilha.

E finalmente ele conseguiu achar a trilha de volta, e foi correndo o mais que podia prá casa – de volta, doidinho prá mostrar as frutas da Serra da Prata prá seus conhecidos.

Chegou na pracinha da cidade já de noite, suando, e contou aos cabras o que tinha acontecido, com os olhos esbugalhados que nem lua.

E é claro, os cabras duvidaram.

E ele, prá provar, abriu os bornais onde estavam as frutas e para suas surpresa, num tinha fruta nenhuma, mesmo ele sentindo todo o tempo o peso delas.

De boca aberta, com todos seus conhecidos rindo dele, prometeu a Deus e à ele mesmo que nunca mais voltaria lá...

Causos de Jaqueira - As serras

 No entorno de Jaqueira, vários morros despontam – mas o pessoal aqui chama mesmo é de serra.

E nessas serras é que acontecem os "causos" mais interessantes que a tradição oral da cidade vem carregando pelos tempos.

Lá na Serra do Espelho, que brilha como uma coisa mais fina, que encantou Seu Miguel, Santo Antônio andava de um lado para outro, andava e andava.

E todo o povo que lá ia, perguntava coisa que nem pro vigário tinha coragem de perguntar.

E a pedra e o santo respondiam sempre.

Mas como sempre, alguns arruaceiros apareceram, e saindo à noite para a Serra do Espelho, resolveram xingar Santo Antônio.

E o Santo, como não era prá brincadeira, resolveu sumir de vez da Serra.

Só o que lá restou foi a beleza da pedra...

Mas do alto da Serra, se você joga seu chapéu lá para baixo, o chapéu volta – é Santo Antônio devolvendo prá que a Serra fique sempre limpa...

Causos de Jaqueira - O "bêbo"

 Em Jaqueira passa o rio Pirangy.

É um curso de água pequeno, mas por causa do calor da região, leva o nome de rio.

E aconteceu um causo engraçado numa noite de São João.

O pessoal tava lá na quadrilha, dançando, bebendo e comendo, todos se divertindo.

E a festa ia entrando noite adentro, com as sanfonas e as zabumbas tocando e balançando o pessoal.

E toca música, e bebe, e toca e bebe.

E já tava tarde...

E tinha um matuto que precisava vortá prá casa, mas tava com preguiça de arrodear todo o arruado prá mode de atravessar a ponte.

E o bebo arresolveu então que ia era cruzar o rio, prá sair na outra margem, já que o leito do rio tem muita areia, não tinha como ele estibungar, nem afogar.

E lá se foi o curau descendo pro rio, trocando perna e soluçando.

Mais bêbado impossível – via tudo trocado, tudo rodando.

Desceu até as margens do rio e enfiou-se pela areia adentro.

Num teve de arengar com a correnteza não, o rio tava manso.

Pensou ele    que fácil, fácil, ia atravessar e sair do outro lado.

Mas troncho do jeito que tava, tropicou numa pedra e lá se foi com a cara prá baixo, no rio que devia estar com um palmo de água.

Mas ele tava com a cara na água, tava escuro, num tinha ninguém prá acudir, e o cabra acabou empacotando.

E como era São João, todo mundo tava preocupado em soltar bombinha, brincar de noite, e ninguém se importava com o rio.

Até que os meninos capetas de cidade acabaram encontrando o troncho do morto garrado numa plantas do rio.

Mas já tava fedendo.

E chamaram a polícia, e os home chegaram, todo mundo com lenço no nariz.

E a curtição dos meninos era ver eles tirando o home da água, e os meninos descrevem até hoje os detalhes da cor, do cheiro e da cara do sujeito.

Nada escapa nessa cidade dos olhares dos meninos...

E o bêbo virou história...

Causos de Jaqueira - a Jaqueira

 Antigamente, nos tempos dos antigos, passavam por aqui tropeiros em direção ao sertão. Nada aqui havia. Só o tempo, só o sol.

Mas no meio do caminho tinha um pé de jaca, a Jaqueira.

Frondosa, mas ainda pequena, servia para os cambiteiros sertanistas descansarem sob sua sombra, na hora do sol rachando para depois continuar rumo ao sertão.

E o caigueiro comandava a parada na jaqueira "prá mode de descansá do sol".

E um esperto abriu uma vendinha ali perto, depois veio outro e depois outro – alguns se aventuraram sair do litoral de Recife e foram pousando aqui.

Mas foi com os Pellegrinni que a cidade começou a tomar vida.

Miguel Pellegrini, um italiano e seus familiares, saindo da agonizada Europa da época do final do século XVIII, resolveram pousar também aqui. Muitas matas atrás do lugarejo, e serras brilhantes aumentavam mais ainda a beleza do lugar.

E assim foi indo, até que Seu Miguel teve um sonho: sonho que o lugarejo de Jaqueira tinha virado cidade, pois Jaqueira fazia parte do município maior de Maraial.

E começou a labutar para que seu sonho se tornasse realidade.

Mas, infelizmente, Seu Miguel foi descansar lá no cemitério, no jazigo de sua família, antes de Jaqueira se transformar em cidade.

Então veio o dia: Jaqueira finalmente se desvinculou de Maraial, ganhou prefeitura, prefeito, vereador, posto de saúde e acabou se tornando cidade.

Teve banda, festa, discurso, mas Seu Miguel "num tava" lá.

Mas sua amada esposa, feliz com a notícia, subiu toda a ladeira até chegar no cemitério, e lá, gritou tanto, que até os outros mortos ouviram:

- Miguel, Miguel, Jaqueira virou cidade!!!!

E foi assim, em 29 de setembro de 1995, que o pequeno lugarejo de parada de cambiteiros se transformou em nosso lar: Jaqueira.

Redução saque FGTS e o Tigrinho

Cada vez mais tenho mais vergonha do povo brasileiro - o cara recebe uma oportunidade de fazer uma saque no FGTS dele para adquirir alguma coisa útil, alguma coisa que precisa mesmo, material de construção, um eletrodoméstico mais caro como fogão ou geladeira, e vai jogar nessas porcarias de tigrinho e bets.

Aliás essas porcarias invadiram todo e qualquer site que a gente entra na Internet, pulando pop-ups e janelinhas oferecendo a oportunidade da perdição. Está uma afronta esse negócio.

E o governo vai votar um monte de coisa, escolhe diminuir o imposto dessas porcariadas em troca de mexer na alíquota do imposto de renda e outras. 

Uma vergonha - isso aí é dinheiro sujo, essas BETs são um buraco sem fundo e muitos incautos acabam jogando dinheiro pouco que têm na esperança (vã) que vão ganhar alguma coisa.

São jogos de azar, são feitos para ninguém ganhar e enriquecer o mantenedor. Pura bobagem e ilusão.

E tem ainda uns cretinos que jogam o dinheiro do bolsa família, que supostamente seria um auxílio à suas miseráveis vidas, mas que é apenas um sustenta-vagabundo que não quer trabalhar (na maioria)...

Brasil mediano é o retrato da ignorância - é o tal QI 83 que mostra que o povo está abaixo da média da inteligência e acredita numas baboseiras como essas ilusões de jogatina.

Essas BETs são nada mais, nada menos, os cassinos que a legislação proibiu no País, e que deram um jeito de habitar o cyberspace, onde a legislação falhou em barrá-las.

E para mim, quem faz propaganda dessas porcarias deveria ter imputada a pena de estelionato, pois ganham (muito) dinheiro propalando resultados que nunca vêm.

E um absurdo o governo sequer deixar essas plataformas operarem no Brasil - liberdade de escolha - de uma coisa que é sabidamente nociva e mentirosa? Quando o interesse monetário fala mais alto ele passa, né?

Uma lástima.

Miosótis - não se esqueça de mim...

Pode uma Flor identificar um Maçom?

A resposta é sim, porém antes vale sabermos algumas informações acerca desta pequena e delicada planta rasteira originária da Rússia, que geralmente tem entre 25 e 30 centímetros na fase de florescimento, possui pequenas flores azuis, flores brancas e flores rosadas que aparecem durante as Primaveras.

O Miosótis gosta de baixa temperatura, sendo que se encontram naturalmente em lugares de altitude, espalhando-se por todos os continentes inclusive Africa e a América existindo naturalmente na região sul do Brasil e por todos os Andes, onde o Miosótis se adaptou muito bem, não se sabendo se chegou lá naturalmente ou foi levada pela mão do homem.

Muitas são as Lendas que cercam este lado misterioso da Miosótis. Numa destas e proveniente de uma antiga lenda romântica alemã, conta-se que esse nome está relacionado à última frase de um cavaleiro que, tentando alcançar uma flor para oferecer para a sua companheira, por conta do peso da armadura caiu num rio e afogou-se.

Na Europa há um folclore que costuma atribuir diversos poderes mágicos ao Miosótis, tratando-o, por exemplo, como chave mágica para tesouros enfeitiçados, entretanto , basicamente existem duas Lendas muito curiosas, sendo que uma delas , de origem persa tem uma conotação bem religiosa, com doses de carinho, bondade e esperança, e outra possui uma conotação mais maçónica, o que vem a ser o tema central deste artigo.

Miosótis

Vergissmeinnicht, em alemão;
forget-me-not, em inglês;
forglemmigef em dinamarquês;
ne m'oubliez pás, em francês;
non-ti-scordar-di-me, em italiano;
não-te-esqueças-de-mim, em português.

Nos anos entre a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial, o azul do emblema Forget Me Not (Das Vergissmeinnicht) era um símbolo padrão usado pela maioria das organizações de caridade na Alemanha, com um significado muito claro: " Não se esqueça dos pobres e dos indigentes ".

Foi introduzido pela primeira vez na Maçonaria alemã em 1926, muito antes da era nazista, na comunicação anual da Grande Loja Zur Sonne, em Bremen, onde foi distribuída a todos os participantes. Este foi um momento terrível na Alemanha, economicamente falando, agravado ainda mais em 1929 após a Grande Depressão desse ano.

Esta situação económica contribuiu para a acensão de Hitler ao poder. Muitas pessoas dependiam da caridade, algumas das quais eram feitas por associações maçónicas.

Distribuir este símbolo foi para lembrar os irmãos alemães das actividades de caridade da Grand Lodge.

No início de 1934, logo após a ascensão de Adolf Hitler ao poder, ficou claro que a Maçonaria alemã corria o risco de desaparecer.

E breve, a Maçonaria alemã, que conhecera dias gloriosos e que tivera, nas suas colunas, os mais ilustres filhos da pátria alemã, com Goethe, Schiller e Lessingn, veria esmagado o espírito da liberdade sob o pretexto de impor a ordem e uma supremacia racial.

Quanto retrocesso desde que Friedrich Wilhelm III, Rei da Prússia, em 1822, impediu que os esbirros reaccionários da Santa Aliança de Metternich fechassem as Lojas Maçónicas, declarando peremptoriamente que poderia descrever os Franco-Maçons prussianos, com toda a honestidade, como sendo os melhores dentre os seus súbditos…

As Lojas alemãs, na terceira década do século XX, estavam jurisdicionadas a onze Grande Lojas, divididas em duas tendências.

O primeiro grupo, de tendência humanista, seguindo os antigos costumes ingleses, tinha como base a tolerância, valorizando o candidato por seus méritos e não levando em consideração a sua crença religiosa.

Constava de sete Grandes Lojas, a saber: Grande Loja de Hamburgo; Grande Loja Nacional da Saxónia, em Dresden: Grande Loja do Sol, de Bayreuth; Grande Loja-Mãe da União Ecléctica dos Franco-Maçons, em Frankfurt; Grande Loja Concórdia, em Darmstadt; Grande Loja Corrente Fraternal Alemã, em Leipzig; e, finalmente, a Grande Loja Simbólica da Alemanha.

O segundo grupo consistia das três antigas Lojas prussianas, que faziam a exigência de que os candidatos fossem cristãos. Havia ainda a Grande Loja União Maçónica do Sol Nascente, não considerada regular, mas que também tinha tendências humanistas e pacifistas.

Voltando a 1934, a Grande Loja Alemã do Sol Nascente se deu conta do grave perigo que iria enfrentar. Inevitavelmente, os maçons alemães estavam partindo para a clandestinidade, devido à radicalização política e ao nacionalismo exacerbado.

Muitos adormeceram e alguns romperam com a tradição, formando uma espúria Franco-Maçonaria Nacional Alemã Cristã, sem qualquer conexão com o restante da Franco-Maçonaria.

Declaravam eles abandonarem a ideia da universalidade maçónica e rejeitar a ideologia pacifista, que consideravam como demonstração de fraqueza e como uma degeneração fisiológica contrária aos interesses do estado!

Os maçons que persistiram nos seus ideais precisaram encontrar um novo meio de identificação que não o óbvio Compasso & Esquadro, seguramente um risco de vida.

Há uma pequenina flor azul que é conhecida, em muitos idiomas, pela mesma expressão: não-me-esqueças – o miosótis. Entenderam, os nossos irmãos alemães, que este novo emblema não atrairia a atenção dos nazistas, então a ponto de  lhes fechar as Lojas e confiscar-lhes as propriedades.

Através de todo o período negro do nazismo, a pequenina flor azul identificava um Irmão. Nas cidades e até mesmo nos campos de concentração, o miosótis adornava a lapela daqueles que se recusavam a permitir que a Luz se extinguisse.

O miosótis como símbolo foi objecto de um interessante estudo do irmão David G. Boyd, no Philaletes de Abril de 1987. Ele conta, também, que muitos maçons recolheram e guardaram zelosamente jóias, paramentos e registros das Lojas, na esperança de dias melhores. O irmão Rudolf Martin Kaiser, Venerável Mestre da Loja Leopold zur Treue, de Karlsruhe, quebrou a jóia do Venerável Mestre em pequenos pedaços de tal modo que não pudesse ser reconhecida pela infame Gestapo.

Em 1945, o nazismo, com o seu credo de ódio, preconceito e opressão, que exterminara, entre outros, também muitos maçons, era atirado no lixo da História. Nas fileiras vitoriosas que ajudaram a derrotá-lo, estavam muitos maçons – ingleses, americanos, franceses, dinamarqueses, tchecos, poloneses, australianos, canadenses, neozelandeses e brasileiros. De monarcas, presidentes e comandantes aos mais humildes pracinhas.

Mas, entre os alemães, alguns velhos maçons também sobreviveram, o seu sofrimento ajudando a redimir, de alguma forma, a memória da histeria colectiva nazista. Eles eram o penhor da consciência alemã, a demonstração de que a velha chama da civilização alemã continuara, embora com luz ténue, a brilhar durante a barbárie.

Em 14 de Junho de 1954, a Grande Loja O Sol (Zur Sonne) foi reaberta, em Bayreuth, sob um ilustre irmão o Dr. Theo Vogel, do núcleo das Grandes Lojas Unida da Alemanha (VGLvD, AF&AM). Nesse momento, o miosótis foi aprovado como emblema oficial da primeira convenção anual, realizada por aqueles que conseguiram sobreviver aos anos amargos do obscurantismo. Nessa convenção, a flor foi adoptada, oficialmente, como um emblema Maçónico, em honra àqueles valentes Irmãos que enfrentaram circunstâncias tão adversas.

Certamente, na plateia, estava o Venerável Mestre da Loja Leopold ZurTreue, agora nº 151, ostentando orgulhoso a sua jóia recuperada e reconstituída, as suas emendas de solda constituindo-se num testemunho mudo e comovente da história.

Finalmente, para coroar, quando Grão-Mestres de todo o mundo se encontraram nos Estados Unidos, o Grão-Mestre da recém formada Grandes Lojas Unidas da Alemanha presenteou a todos os representantes das Grandes Jurisdições ali presente com um pequeno miosótis para colocar na lapela.

O miosótis também é associado com as forças britânicas que serviram na Alemanha, em especial na região do Rio Reno, logo após a guerra. Há uma Loja, jurisdicionada à Grande Loja Unida da Inglaterra, a Forget-me-not Lodge nº9035, Ludgershall, Wiltshire, que adoptou a flor como emblema. Foi formada especialmente para receber os militares ingleses que retornavam do serviço na Alemanha.

Foi assim que essa mimosa florzinha azul, tão despretensiosa, transformou-se num significativo emblema da Fraternidade – talvez hoje o mais usado pelos maçons alemães.

Ainda hoje, na maioria das Lojas germânicas, o alfinete de lapela com o miosótis é dado aos novos Mestres, ocasião em que se explica o seu significado para que se perpetue uma história de honra e amor frente à adversidade, um exemplo para as futuras gerações Maçónicas de todas as nações. (…)

Quando o Irmão Vogel foi mais tarde eleito Grão-Mestre da United Grand Lodges of Germany e visitou uma conferência de Grão-Mestres em Washington, DC, ele distribuiu-a a quase todos os presentes.

Mas a história é verdadeira?

As informações sobre a tradição maçónica em torno do azul, não são muito pequenas. É verdade que a flor foi usada por alguns maçons alemães em torno de 1926, e parece provável que em Março de 1938 alguns deles a usassem novamente como um crachá nazista, mesmo que por uma coincidência extraordinária, tivesse sido escolhido como um emblema maçónico doze anos antes. É provável que não seja verdade que já foi usado depois de Março de 1938 como um meio secreto de reconhecimento.

No entanto, mesmo que muitos maçons alemães (juntamente com a grande maioria dos cidadãos alemães da época) nunca se opuseram à política nazista e chegassem a apoiar Hitler, alguns eram corajosos o suficiente para lutar contra ele abertamente.

Com base na associação de todas as Lojas alemãs existentes, é provável que cerca de 1% ou 2%. Das 174 Lojas que participaram da criação da primeira Grandes Lojas unidas da Alemanha, cinco pertenciam apenas à Grande Loja simbólica de 1930, a única Grande Loja alemã que resistiu a Hitler.

Por razões humanas e políticas, os maçons que pensavam que era seu dever reconstruir a Maçonaria alemã, uma vez que a Guerra terminou, dificilmente poderiam dizer toda a verdade aos seus irmãos estrangeiros. Eu pessoalmente acredito que eles podem ter contado a história desses anos sombrios de uma maneira diferente, mas estou pronto a admitir que provavelmente é mais fácil dizer isso em 2009 do que na década de 1950.

Assim, nasceu uma lenda. Não a lenda do "forget-me-not", mas a de uma Maçonaria alemã muito fraca para resistir, proibida assim que Hitler se tornou Chanceler do Reich, vestindo um crachá nas ruas e em campos de concentração. Essa lenda provavelmente nasceu como resultado de um esforço inconsciente para inibir o passado, bem como uma manobra consciente. Acredita-se não só porque era coisa lógica, mas também porque era reconfortante imaginar os maçons que actuassem de acordo com os seus ideais, lutando pela liberdade e defendendo.

Vamos manter isso e vamos admitir a Fraternidade maçónica do azul, Esquece-me Não e, assim, uma flor simples floresceu num símbolo da fraternidade e tornou-se talvez o emblema mais usado entre os Maçons Livres na Alemanha.

Nos anos que se seguiram à adopção, o seu significado em todo o mundo foi atestado pelos dezenas de milhares de irmãos que agora o exibem com orgulho significativo.

Enfim, esta é a história da MIOSÓTIS, o que podemos usar uma Lenda ou Outra sobre a sua existência e assim sempre lembrarmos as nossas pessoas mais queridas para NUNCA SE ESQUECEREM DE NÓS!!

Original de Hamilton F. Sampaio Junior

Fontes: 

http://www.masonicnetwork.org/blog/tag/das-vergissmeinnicht/
http://www.deldebbio.com.br/a-miosotis-e-a-maconaria/

terça-feira, 7 de outubro de 2025

Meu Sertão Pernambucano

Poesia feita por morador de Jaqueira, em Pernambuco, na zona da Mata, na grafia original, no ano de 2001.

O sertanejo de Jaqueira é uma pessoa muito carinhosa, carente e principalmente observadora. Nos poemas transcritos, mantive a forma escrita original que mostra não só a cadência, a simplicidade, mas também a espontaneidade dos habitantes, que muito nos agradeceram e presentearam com estas pequenas pérolas de amor e humildade.

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Meu sertão Pernambucano
Meu Setão do Pajeu
Minha vida fosse bela
Do oeste Norte Sul

Estrelas brilha nu çeu
Lua lumina o serrado
Didia e lar na rroça
A tade e nu cerrado
Plantando macachera
Pra colhe no meis de março

A tarde osol sepoe
Estar na hora de largar
Chegar encasa toma banho
Para comerssa o jantar

Na minha casa chega
Compradi comadre e amigo
Jogamos um domino
Pra fica mais de vertido

Quamdo estar ficamdo tarde
Nos tomamos um cofézinho
Fazemos um cigarro
Pra fica mais gostozinho

Chega a hora de er pra casa
Todo mundo-se dispidem
Até amanha comprade
Nós se encontra sedinho

La na rroça de papai
Quem chegar mais lijeirinho
Dimanham ssedo o galo canta
Minha cordo lijeirinho

Vou minboura trabalha
Pra ganha um trocadinho
Na sexta feira fasso a colheita
Nu sabado á rrumo o trocadinho

Quando acaba a feira
Vou pra casa rrapidinho
Passo na cidade
Vejo como tudo esta barato

Feijão, arros, galinha, banana, melão, farinha
Batata, carne de gado
Vije coiza boua
Tudo que eu queria

Vou quaze chegando em casa
Com amaior a legria
Poronde eu passo e isquisito
Não tem um pé de pessoua

Tem um bucado de cangaçeiro
Do Capitão Lisboua
Vou rrezano pelo meu padrin cicero
Quaze chegando pertinho de casa

Direpente vejo um menino
A senano de lá de casa
Meu cavalo com uma cede
Daquela de arrepia

Quando chegou em casa
Quaze não pode para
Um terra muito quente
E um sol de lasca

Quando eu olho la pra casa
Eu comesso a desmaia
Sertanejo muito fraco
De tanto de trabalha
Trabalha tanto na rroça
Pra pode se alimentar

Mino não tar na escola
Porque e muito destante
Ta cressendo dia e noite
Feito um home jegante

Tudo taficando difisio
Pa aquele coitado homem
O homem ficou doente
Quamdo o cavalo dele

Morreu omte e omte
Depois du passa du tempo
Foi ficando diferente
O homem ficou tão esperto

Que coloucou filho pra frente
O filho muito metido
Não queria trabalha
O pai deu um piza quele comesso a mija

Nu estante pegou a enchada
Comessou a trabalha
Familha foi creçendo
E comessando a trabalha

De tudo queria eles
Em comtrava lá
Meu filho foi ser doutor
Minha filha professoura

Eu e minha velha
Nós ficamos nua boa

Casamento é bom...

Casamento não significa apenas um papel "passado" (será que é passado como um mamão já meio mole, podre, que dizemos que é "passado"), ou um par de anéis dourados que se troca diante de algumas testemunhas.

Casar é crescer junto, é estar junto, mesmo que em silêncio, um completando o outro.

Mas esta compleição deve ser meio a meio – de nada adianta uma pessoa completar a outra com noventa porcento e ficar apenas com dez porcento de individualidade.

Casamento é picolé fora de hora, é gritar de alegria, é um sanduíche de mortadela meiado, é andar na chuva e nadar pelado – e não aquela interminável sessão de lamentos sobre falta de tempo, de carinho, de dinheiro e reclamações sem fim.

Casar é ter um cúmplice, uma pessoa que silenciosamente concorda com tudo o que você faz, nem que o que você esteja fazendo seja lamber sabão...

É triste ver quantas pessoas já "passaram" seu papel e trocaram os anéizinhos, mas diante de dificuldades, logo vem culpar um ao outro pelas próprias fraquezas e deslizes.

E se acontece uma traição, nunca o par chega à conclusão de que ambos estão errados – de que o que "fornicou" estava procurando cumplicidade, carinho, compreensão, amor, ou algo que não tinha no seu "passado" casamento...

Casar significa antes de mais nada ter um amigo pro que der e vier...

Gaia

Há muito que os seres humanos deixaram de perceber que existe algo superior a ele.

Há muito deixamos de respeitar a nossa maior mãe: a natureza – Gaia.

E Gaia sofre com as feridas que abrimos em sua pele, pelas explosões que a abalam, pelo aumento de calor que provocamos tal qual uma febre e que não nos damos conta.

Somos parasitas de Gaia, e ela começa a sentir os efeitos deste parasitismo.

Tal qual vermes que lotam o corpo de sua vítima, destruindo seu habitat, nós os seres humanos, o homo sapiens sapiens, cada vez menos sabemos o que é saber.

Devíamos ser chamados de homo mortis, pois estamos destruindo pouco a pouco o nosso hospedeiro, tal qual os parasitas inferiores.

E quando isto irá ser notado? Quando Gaia nos últimos estertores de sua morte mostrar para seus parasitas que ela não é mais um hospedeiro habitável?

E porque o sábio homem que tudo sabe, mas nada vê, não se religa à sua mãe e lhe dá o carinho que ela merece, para que possamos continuar aconchegados em seu regaço em harmonia, protegidos pelos afagos da que nos deu a vida?

Porque o homem, na sua ganância, cada vez mais embota seus sentidos e faz que não vê que desligou-se para sempre de Gaia e que está fadado a perecer com ela.

Homo homini lupus...

Deus é relativo?

Você já parou para pensar o que é Deus?

Provavelmente é algo muito além de sua compreensão, algo ou alguém que nos criou e que agora se compraz em observar-nos tomando os rumos da evolução.

Mas acho que Deus é relativo. Acho que sempre o Deus de algum indivíduo é algo que para ele é difícil de abstrair.

Imagine por exemplo uma formiga: se você a pega em cima de sua pia, onde ela no afã de busca de alimento se perdera, e a coloca no ralo e despeja água, será que a formiga não pensa que o destino divino mandou um dilúvio por causa de sua incompetência para achar alimento?

Coloque-se no lugar da formiga.

O que você pensaria, se algo o pisoteasse e arrancasse uma de suas pernas, no entanto deixando-o vivo?

Providência divina?

E os bois, cavalos, que têm um senhor que deles cuida e que respeitam e até temem?

Também não teriam eles um pensamento que o seu dono seria divino?

Pois é, acho que Deus é relativo...

Será que ele mesmo não pensa, como na estória do ovo e da galinha, que alguém deva ter o criado?

Será que não existe um Deus para Deus? Isto seria tão absurdamente chato, não ter algo superior para imputar a sua própria criação...

E seria muita megalomania se comprazer a dizer que toda a criação é obra sua...

Que ego mais gigante, hã?

Mas, voltando aos insetos, pense numa pulga. Quem para ela seria Deus?

Certamente não os humanos, que para elas são o que nosso planeta é para nós...

E sabem vocês que nas pulgas vivem parasitas em suas carapaças?

Quem seria Deus para eles?

Será que nós, os humanos, também não somos parasitas de um corpo maior, onde o sistema solar é apenas uma célula ou átomo?

São questões que desde que o homem se viu deslumbrado diante de sua capacidade de pensar vem elaborando...

E acho eu, na minha vã filosofia, que certamente existem mais segredos entre o céu e a Terra.

E que alguns destes nunca chegaremos a arranhá-los, quanto mais sabê-los...

Acho que o maior deus que podemos alcançar com nossas parcas inteligências é o nosso eu interior.

"Conhece-te a si mesmo." – esta é uma das maiores buscas que o ser humano pode empreender e uma das mais trabalhosas e ao mesmo tempo gratificantes jornadas.

E talvez neste mergulho no self, possa ele descobrir que o verdadeiro Deus está dentro dele e que ele não mais necessita de buscá-lo fora...

Estar vivo é um milagre


Inicio esta prosopopéia com um poema de minha lavra e autoria:


"Como pode o homem reclamar

Se dele pode nascer outro homem ?

Como pode-se reclamar

Da beleza da vida?

Como se pode negar a natureza

Que nos brinda cada dia

Com mais presentes nunca sonhados?"



Esta é a beleza da vida: o cheiro de mato, a neblina que vem descendo o morro em sua direção, o cheiro do gosto de uma fruta, o marulhar do vento nas folhas, a imponência das montanhas.

Sentir-se parte da criação, sentir-se parte daquelas rochas que solenemente te fitam, silenciosas, mudas, é um privilégio que poucos possuem.

A vida está cada vez mais apressada, o tempo, um conceito que os humanos criaram, arrasta consigo multidões de escravos que atrelados a dois ponteiros, vivem suas vidas girando ao passo de um mecanismo de relógio que faz tic-tac, tic-tac.

Mas é muito engraçado, pois o relógio não faz tic-tac, mas sempre tic-tic – mas tão bitolados estamos, que ouvimos o raio do tic-tac, como se ele fosse verdade...

Enquanto isso, a natureza segue seu lindo ritmo, impassível diante dos ponteirinhos que comandam os néscios humanos que se desligaram dos ciclos da vida...

Os dias do ano não têm a mesma duração durante o ano todo – o ano não tem exatamente 365 dias, mas o humano, no bater de seus tic-tacs, arrumou uma maneira de compensar e enfiou um dia a cada quatro anos.

E a vida, impassível, desabrocha, dá frutos, chove, relampeja, nasce, cresce, morre – e os humanos sempre preocupados com o fluxo do tempo se esquecem da beleza da vida...

É um privilégio fazer parte da criação – por poucos segundo poderíamos ou não existir, ou sermos outros seres completamente diferentes...

Mas somos o que somos – pensamos, logo existimos, e nossa razão de existir deveria ser observar o nosso mundo e pasmos, com lágrimas a nos toldar a visão, admirar as belezas que a natureza nos brinda.

O cheiro do mato depois de uma garoa é fantástico, os pássaros regozijam-se, trinam, chilreiam, mas não nos damos conta, porque estamos preocupados com o tic-tac da vida.

Que pena é desperdiçar o privilégio de admirar as criações da vida que desfilam sem cobrar diante de nossos olhos e que não pedem nada senão o nosso pasmo diante da beleza.

De uma simples formiga, até uma gigante árvore, tudo pode ser admirado, bastando termos tempo para isso – filosofar sobre a vida não nos faz menos responsáveis, au contraire, nos faz cada vez mais senscientes de que estar vivo em meio a tantas belezas é realmente um privilégio.

O Homem precisa do Diabo?

Será que o homem precisa da figura do diabo?

O Deus antropomórfico nos mostra que não Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, mas o homem criou Deus à sua imagem e semelhança...

Mas se o homem é uma criação imperfeita, como refletir sua imagem em algo que deveria ser sublime e puro, totalmente imaculado, como a figura de Deus antropomorfizada?

Aí é que entra o famoso diabo, como suas mais pândegas denominações: pé-preto, pagu-pagu, tinhoso, capeta – todas elas de cunho pejorativo, mas que nada mais fazem do que espelhar os próprios comportamentos humanos perversos e desviantes da conduta que seria de se esperar celestial.

Foi então criado um espelho negro para a reflexão das paixões humanas – tal qual o bode expiatório dos judeus, que enviado com todos a sorte de maldições para morrer só no deserto, fazia com que aquele povo pensasse ter incorporado o mal no pobre animal e o enviado à morte.

Daí vem a figura do bode associado ao diabo.

Mas não seria o diabo um bode expiatório para poder levar a culpa pelos atos impuros dos seres humanos que ao cometerem seus "pecadilhos" ou "pecadões", teriam a quem transferir a carga culposa?

Decerto não poderiam-na transferir à Deus, imaculado, todo poderoso e senhor da luz...

Então personificaram e antropomorfizaram um ser que levaria toda a culpa pelos atos errados e desviantes do impuro humano.

Acho que o diabo não passa de uma invenção para se culpar...

Pobre diabo – um mero reflexo da escória humana, uma mera desculpa para se usar na hora do aperto: foi o diabo que me tentou – como se aqueles pensamentos ditos "pecaminosos" não se originassem dentro mesmo das próprias consciências das pessoas...

É o Homem agressivo por natureza?

O ser humano encerra em sua essência pulsões dentro de seu aparelho psíquico que lutam para vir à tona. Freud descreveu estas pulsões sendo de duas naturezas ou grupos: uma de natureza sexual (ou de amor) e uma de natureza agressiva.

A própria constituição da sociedade pelos humanos primevos se deu pelo fato de se agruparem em bandos em que os machos dominantes mantinham as fêmeas por perto para acasalarem-se e o trabalho em grupo mostrou ser mais eficaz para desempenhar tarefas que demandariam maiores esforços de um só indivíduo.

O fato da procura do acasalamento é uma prova da pulsão de amor ou sexual, que leva os indivíduos, pressionados pela força destes mecanismos oriundos do fundo de seu aparelho psíquico (do ID) a manter sua espécie, preservar a sobrevivência do bando.

Mas as pulsões de morte ou de agressividade têm de ser sublimadas para o convívio social – aí é que entra o ponto em questão: é o ser humano agressivo?

No meu ponto de ver, filosofando-se um pouco acerca do fenômeno de sublimação das pulsões agressivas, vê-se que a energia potencial agressiva recalcada é muito menos vazada para o exterior, por mecanismos de proteção do próprio aparelho psíquico.

Mas às vezes, o caudal de forças ou pulsões irrompe de uma tal forma que o homem se torna agressivo.

Mas porque o potencial agressivo é muito mais forte e muito menos descarregado, se dá um fenômeno de uma represa – de tão cheia, se se encontra uma brecha para escapar, explode todo o dique e irrompe todo o caudal destrutivo.

Então, ao meu ver, o homem tem seu potencial agressivo convenientemente recalcado por defesas do superego que tornam o indivíduo apto a viver em sociedade.

Isso me faz pensar que latentemente, o homem é agressivo, mas que as pulsões ficam armazenadas e hermeticamente seladas pelos sete selos do superego.

Uma vez rompidos estes selos apocalípticos , seja por falta de parâmetros, seja por falta de orientação, tem-se o ser humano em seu estado primitivo, até mesmo pré-histórico, onde suas pulsões podem aflorar livremente.

Estas barreiras do superego são construídas, estruturadas no desenvolvimento psicossocial do indivíduo. No caso de serem débeis, fica fácil a criação de maníacos e perversos...

Temos a agressividade dentro de nós, assim como temos o amor.

Resta saber como controlar ambos os sentimentos para se evitar que irrompam inexoravelmente de maneira catastrófica...

3, 5 e 7 maçons para abrir uma Loja

A iniciação na Maçonaria só pode ser realizada numa Loja e por uma Loja. Ora, uma loja é necessariamente um grupo de maçons. A iniciação não é transmitida de indivíduo para indivíduo, mas é entregue a um indivíduo por um grupo de indivíduos.

Algumas obediências maçónicas, entre as quais a Grande Loja Unida de Inglaterra, consignaram nas suas constituições um privilégio do Grão-Mestre, que consiste em "fazer" maçons "à vista" de acordo com o seu próprio julgamento. Para estas obediências, a Grã-Mestria, que nada mais é do que uma simples função administrativa, tem um carácter sagrado, que lhe valeria essas prerrogativas extraordinárias. Isto decorre de uma mentalidade profana e arcaica.

Os maçons que se projectam na imagem do "Pai" que pode fazer tudo, dificilmente podem avançar na Arte Real. Pelas suas próprias características, uma iniciação conferida nessas condições é inválida, devido ao simples motivo de não contribuir com nada para o destinatário.

Quando lhe é conferida nas melhores condições possíveis, dentro de uma Loja bem preparada, ainda é necessário que o Maçom trabalhe duramente para que a iniciação lhe forneça o "suplemento de alma" necessário para o progresso espiritual. Citamos esta prática apenas para denunciar um procedimento anti-tradicional, anti-iniciático, nada razoável e inepto.

Todos os rituais dizem que, três maçons formam uma Loja simples, que cinco a tornam justa e sete a tornam "perfeita".

Os três maçons da Loja simples são o Venerável e os dois Vigilantes. Estes três oficiais: o Venerável e os dois Vigilantes, são chamados as "luzes" da Loja. A Loja é justa quando a estes se juntam o Secretário e o Orador. Finalmente, a Loja é "perfeita" quando aos cinco se juntam o Experto e o Guarda Interno. Os lugares de Tesoureiro e Hospitaleiro podem ficar vagos porque essas funções participam na administração da Loja no intervalo entre as sessões, e não durante as próprias sessões.

Com "sete", a Loja é perfeita, pois o conjunto possui todas as faculdades necessárias para a sua operação e todos os elementos de uma estrutura coerente: O Venerável, os Vigilantes, o Guarda Interno, a pessoa encarregue do adequado desenvolvimento do ritual, o guardião da lei e a memória do grupo.

Existem, contudo, opiniões diferentes. Assim, Jules Boucher , e, "Simbolismo Maçónico" (La symbolique maçonnique) refere-se a rituais antigos para afirmar que cinco maçons, desde que sejam mestres, podem abrir uma loja e que uma loja justa e perfeita consiste adicionalmente de um companheiro e aprendiz e que não requer sete oficiais. Há também quem substitua o Experto pelo Mestre de Cerimónias por considerar que a sua função é essencial para a execução do ritual.

Esta regra de Três, Cinco e Sete poderá ter sido estabelecida em meados do século XVIII. De facto, é por volta de 1750 que os oficiais das Lojas são, com poucas qualificações, os mesmos que conhecemos hoje. É por volta de 1735 que o "Irmão que circula na Loja" se torna o Mestre de Cerimónias e que a função de Orador é criada para libertar o venerável dos discursos cerimoniais.

Os documentos mais antigos que se conhecem sobre a organização das Lojas (Edimburgh Register, por volta de 1630/1650) mencionam o Mestre, os dois Vigilantes e os "mordomos" (stewards). Em França, o grupo de oficiais não incluía, até 1735, mais do que três membros: o Venerável e os Vigilantes.

Traduzido e adaptado de publicação em Masoneria del Mundo (14 de Dezembro de 2017), por António Jorge, M∴ M∴, membro de:

R∴ L∴ Mestre Affonso Domingues, nº 9 (GLLP / GLRP)

segunda-feira, 6 de outubro de 2025

A ÁRDUA SENDA MÍSTICA


MALKUT - O REINO


Em meio as brumas tempestuosas, avistava-se o castelo, que imponentemente se erguia tal como uma fortaleza por entre as folhagens da floresta.

Era uma terra cheia de tradição, onde não raro estórias de fadas e duendes se transformavam em histórias, contadas por anciãos que tinham como missão transmitir as lendas para o povo e fazer com que fossem perpetuadas.

Nesse ambiente vivia um pequeno mancebo que aspirava à evolução, após ter percebido que não só o mundo material imperava e que alguma coisa maior existia, e que esta coisa estava a seu alcance, bastando procurá-la.

Cresceu cercado de tais estórias, acreditando que aonde se ia, se via uma manifestação da Consciência Cósmica, desde uma pedra até uma planta ou animal.

Contemplava e meditava por entre os bosques do reino de seu senhor, reino aquele que era material, aspirando a um reino muito mais superior, num plano muito mais elevado, que ele próprio desconhecia.

Foi em meio a uma dessas meditações que lhe veio a imagem de um cavaleiro, com seu manto púrpura com uma cruz vermelha, cavalgando incessantemente atrás de um objetivo qualquer. Viu ele também a face angustiada do cavaleiro, como se ele soubesse que nunca terminaria sua busca, cavalgando incessantemente por intermináveis planícies.

Eis que então o cavaleiro de sua meditação saca sua espada - uma espada com o punho reto, mas com uma uma particularidade: sua lâmina era ondulada, tal como se fosse uma serpente - e desfere um golpe numa pedra ainda não trabalhada, lhe desbastando uma aresta.

Subitamente, nosso jovem mancebo vislumbra também um anjo, que guardava solenemente uma árvore, e mais uma vez vê a espada ondulada - sim, o anjo estava guardando o Paraíso após a expulsão do homem primevo.

Sua meditação retornou ao cavaleiro, que da meia volta em seu corcel e dispara nova cavalgada em direção a pedra, lhe desferindo novo golpe...

Subitamente, um ruído o faz retornar a realidade: era um garoto que brincava nas proximidades da árvore centenária sob a qual estava meditando.

Será que sua vida se resumiria a meditações?

Pensou em se tornar um asceta, mas logo viu que como poderia ele aprender e se desenvolver sem o convívio com outros de sua espécie ? Ainda não era a hora disso.

Quando já estava um pouco mais crescido, foi tomado de forte febre, febre esta que o deixou acamado durante vários dias.

Em meio aos torpores da febre, sentia ele uma presença que não podia explicar, e volta e meia as visões do cavaleiro angustiado e do anjo guardião retornavam, tornando-o cada vez mais confuso.

Após recuperar-se da febre, sentiu que seu corpo já não era mais o mesmo: algumas sensações que antes eram apenas adormecidas, manifestavam-se com força e vigor.

Tentou conversar com seus familiares a respeito, mas não lhe deram ouvidos, tentou meditar a respeito, mas cada vez que meditava, mais fortes e torturantes as sensações ficavam.

Longos anos se passaram nesta angustiante espera de alguma coisa desconhecida, mas que cada vez mais tinha ele certeza de que iria acontecer.

IESOD - FUNDAMENTO

Numa manhã sentia-se totalmente estranho - ao levantar-se de sua cama, sua testa parecia que queria saltar-lhe da fronte, era um formigamento que o deixava cada vez mais atordoado e sem compreender o que eram tais sensações.

Dizia-se que na floresta em algum lugar, havia um ermitão entendido em assuntos considerados estranhos, o que o fez logo pensar em ir vê-lo, para tentar entender aqueles mistérios.

Mas logo um problema assolou sua cabeça: como poder-se-ia encontrar um ermitão que ninguém sabia onde encontrar ?

Apesar da dúvida que o perseguia, ainda mesmo quando ajuntou seus pertences e renunciou a vida mansa que tinha, resolveu sair a procura do ermitão.

Longos meses se passaram: chuva, sol, vento, e nada se revelava naquela floresta que parecia não ter fim, ocultando sua verdadeira face a cada poente.

Para comer ele caçava, para dormir, simplesmente encostava-se a uma árvore e dormia, mas a ideia de ter-se tornado asceta lhe pareceu estupidamente clara depois de algum tempo, e ele decidiu voltar.

Num desses dias, recostado a uma árvore, começou a sentir um puxão violento logo abaixo de seu umbigo - já era de noite e ele estava fixamente observando uma fogueira que tinha aceso a fim de se esquentar.

A fogueira se encontrava a sua direita, e dela emanava um agradável cheiro de natureza, que sublimava-se em contato com o fogo - Como o fogo é mágico - pensou ele, e subitamente aquele puxão aumentou violentamente, levando-o a um pavor imenso, pois ele vislumbrou a sua esquerda um vulto escuro, muito mais alto do que ele, que o fez ficar aterrorizado. Sentia sua nuca eriçar-se e seus membros tremerem...

Cada vez mais o vulto se aproximava, até que ele sentindo um violento formigamento na sua testa, desmaiou.

Enquanto desmaiado, sonhou com uma serpente mordendo sua própria cauda, formando um círculo perfeito.

Acordou numa caverna recheada de símbolos estranhos e com um cheiro de algo sendo preparado no fogo, que o fez lembrar de sua fogueira, lá na floresta, e do terror que o dominou.

Assustado tentou se levantar, mas seu corpo estava todo atordoado, fazendo com que deitasse novamente, num estupor que lhe tolhia o raciocínio.

Teve a estranha lembrança da serpente do sonho e do círculo, concluindo que o símbolo representava sua busca, que nunca teria fim, e que ele rodaria como numa roda da vida, sempiternamente.

Parecia este o fundamento de todo aquele lugar - um lugar que mostrava a ele que nossa busca interior não tinha fim, e de que devíamos nos esforçar para continuarmos procurando, mesmo sem saber o quê, nem porque.

Seus pensamentos foram interrompidos bruscamente por um velho todo encarquilhado, que rindo de sua situação, enfureceu-o bastante, mas já que não podia se mexer, resolveu engolir toda aquela raiva, e esperar.

O velho lhe perguntou se queria um pouco de água, e nosso jovem mancebo anuiu - sim precisava de água, embora o velho lhe inspirasse desconfiança e até um pouco de repulsa, ainda mais pelo andrajoso aspecto que se descortinava aos seus olhos.

Foi aí que se assustou: o velho perguntou-lhe se seu aspecto deplorável o assustava - o jovem assentiu, o que fez o velho explodir em gargalhadas

- Achas tu que estás em melhor estado que o meu ? Porque tens repulsa de mim, se é a mim que viestes procurar ? - perguntou o velho - Esperava encontrar um ancião em longas túnicas bordadas a ouro ? É meu aspecto externo que buscas ou os mistérios que conheço?

Essas palavras atingiram-no com um soco: era ele ! O ermitão que viera procurar ! E o velho captou todos seus sentimentos com relação a ele !!!

Passaram-se vários dias até que o velho lhe revelou a maior verdade que ele inconscientemente já sabia: devia ele partir em busca de uma elevação espiritual, devia ele iluminar-se, procurar aprimorar-se, partir em busca da LUZ, e que nenhum ser humano poderia fazer isto por ele.

Antes do jovem partir, o ermitão lhe ensinou uma coisa: ao sentir-se fatigado devia o jovem abraçar um menir, na região haviam muitos deles - os menires eram colocados em pontos de alta energia, mas nunca devia ele abraçar da cintura para baixo - poderia ser prejudicial.

Se nenhum menir estivesse por perto, deveria o jovem abraçar uma arvore, só que a força seria muito menor.

O jovem quis saber se o vulto que ele avistara na floresta era o ermitão - Não, não era. - disse o velho - Era um dos meus aliados, que chamo para me auxiliar colocando um espelho dentro de um rio, esperando que apareça um ser de outra dimensão oferecendo-lhe uma passagem, como se fosse uma janela pela qual ele sairia de seu mundo.

Em troca pela passagem e visita a este mundo, os aliados podem realizar certos serviços para mim.

Você pode fazer isso - disse veemente - mas lembre-se que o aliado é uma força muito poderosa, e para sair pelo espelho você precisará de muita força espiritual - tome cuidado para após terminada a tarefa, colocar o espelho na água e dispensá-lo agradecendo-o, pois eles consomem muita energia de você. Seja cuidadoso !!!

Com as palavras do ermitão na cabeça partiu em busca do desconhecido, sabendo que nunca mais veria aquele que se tornara seu amigo e mestre.

HOD - ESPLENDOR

Novamente aquela sensação de formigamento assolava-o, e meditando sobre as palavras do velho, sentiu que era chegada a hora de retornar ao reino, sair daquela floresta assustadora e interminável.

Dias e dias passou ele caminhando, até que um dia, fatigado, encostou-se numa árvore para descansar.

Dormitou e em meio ao estupor do sono, teve outra visão - aquele círculo com o qual tinha sonhado, poderia protegê-lo de forças estranhas se quando descansasse, traçasse ele um círculo no solo à sua volta, mentalizando que era um círculo energético protetor.

Naquela noite, antes de dormir, traçou ele um círculo para se proteger, e passou uma noite inteira sem percalços, nem perturbação de espécie alguma, não tendo também sonhado com nada que o intrigasse.

Ao preparar-se para partir, ouviu um estrondoroso ruido, tal qual um trovão que sacudia a terra e balançava as árvores, e ao longe avistou diversos cavaleiros, todos como em seu sonho, mas trazendo espadas retas.

Os cavaleiros foram se aproximando, aproximando, até que podia ver-lhes precisamente - era isso ! Vou tornar-me cavaleiro - pensou ele, agitando freneticamente os braços para ser notado.

Os cavaleiros chegaram - como eram imponentes, fortes, fazendo sua testa formigar e sua barriga estremecer com os puxões que sentia em seu plexo.

Que segredos guardariam tais cavaleiros ? O velho lhe dissera que estes cavaleiros detinham muito conhecimento, e que para ter-se acesso a eles deveria se comprometer a nunca revelá-los, nem escrevê-los, após passar por provas assustadoras.

Pediu-lhes que o levassem com eles, desejava tornar-se cavaleiro, submeter-se-ia a todas as provas e juraria nunca nada revelar.

Tal era o esplendor de suas armaduras e as emanações de sentimentos bons que nosso rapaz sentia, que mesmo que se lhe fosse pedido para morrer, morreria feliz, em meio a todo sentimento esplendoroso.

Os cavaleiros ciosos dos pedidos revestidos de honestidade do rapaz, e após terem sentido que ele era também um ser já mais evoluído, anuíram em submetê-lo às provas para tornar-se cavaleiro, apesar de sua linhagem não ser de tradição cavaleiresca.

Mas os cavaleiros sabiam o que estavam fazendo...

NETZAH - A VITÓRIA

Levaram-no a uma caverna escura e disseram-no para meditar na escolha que estaria fazendo - vida árdua, árdua senda de desenvolvimento espiritual, árduas batalhas materiais e espirituais.

Pediram-no também que escrevesse um juramento moral, que prometeria nada revelar a ninguém de seus segredos, sob a pena de morte agonizante.

O jovem concordou, e no escuro tateando, achou uma pena e uma folha de papel, onde lavrou seu juramento, apenas iluminado por uma pequena réstia de luz que penetrava por uma fenda das rochas.

O tempo passou e o jovem começou a se impacientar, mas sabiamente não reclamou - tinha boa compleição e aguentaria muito tempo sem beber nem comer se fosse preciso, mas a impotência o fez movimentar-se dentro daquela cripta, onde esbarrou com um esqueleto num canto - a luz da lua incidia sobre o crânio, onde podia-se ler a palavra VITRIOL - cujo significado ele desconhecia. Apavorado recuou.

Ao amanhecer, a cripta já não parecia tão assustadora, e os cavaleiros o vieram buscar para continuação das provas.

Vendaram-lhe e perguntaram-lhe se acreditava em Deus - o jovem disse que acreditava sim, mas não num Deus como um velho barbudo colérico e aterrorizante, mas sim numa inteligência cósmica que contribuía para a continuação da obra e da geometria do universo.

Diante da resposta, decidiram continuar: levaram-lhe para beira de um abismo e o mandaram pular - se confiasse em Deus, ele o ajudaria.

Pontas de espadas pressionavam-lhe as costas e ele bravamente pulou, com o coração a mil e a testa ardendo de formigação.

Não era um abismo, e sim um queda de pouca altura, mas demonstrou ele confiança nos seus companheiros e coragem, pois estava vendado e não podia saber o tamanho da queda.

Após várias outras provas, sagraram-no Cavaleiro da Sagrada Ordem da Cruz, com golpes de espada em seus ombros, enquanto ele ajoelhado elevava seu coração rumo à infinita sabedoria divina.

Foi a vitória sobre as paixões humanas e sobre as provas que o fizeram continuar nessa senda árdua e trabalhosa.

Então os cavaleiros disseram-lhe uma palavra que deveria ele usar para se identificar, e uma palavra de contrassenha para responder à esta palavra se a ouvisse.

Disseram-lhe que ali estava, não somente para defender seu Rei, mas também para partir em busca de conhecimento e espiritualidade, que lhe seriam dados quando encontrasse o Santo Graal, o cálice onde foi colhido o sangue de Jesus na cruz.

Um quadrado desenhado no chão sugeria-lhe a estabilidade daquela aliança, que deveria honrar com seus companheiros cavaleiros, prometendo novamente que nunca revelaria os segredos que lhe foram confiados.

Seu aprendizado apenas começara a ser organizado, pois haveria ainda muitas vezes que se reuniria com estes cavaleiros a fim de instruir-se, antes que partisse em busca do Santo Graal.

TIPHERET - BELEZA

Depois de muito tempo, sentiu ele que já era hora de partir em busca do Graal pelo reino de seu senhor, e quem sabe até fora dele...

Montado em seu corcel, despediu-se de seus companheiros cavaleiros em uma última reunião secreta e partiu.

Partiu levando a esperança de se tornar cada vez mais evoluído e cada vez mais próximo ao Supremo Geômetra do Universo, buscando incessantemente a sabedoria e praticando sem restrições a caridade e fraternidade.

Cavalgava ele dia e noite, parando de vez em quando para dormir em alguma estalagem que lhe desse pouso, visto que não carregava consigo nenhum metal com que pudesse pagar algo.

Pouco a pouco voltaram-lhe as visões de coisas que ele não compreendia, visões de símbolos que ele ainda não era capaz de compreender.

Certo dia, teve de dormir ao relento, tendo como companhia apenas seu cavalo e as estrelas, quando despertou em meio a um sonho estranho e angustiante - cada vez mais ele se tornava consciente que aquilo era uma tarefa árdua a conquistar, e sempre meditava a respeito de como poderia ele achar o Santo Graal.

E se algum outro cavaleiro o achasse antes dele ? E se ele ficasse vagando eternamente sem encontrar esse vaso sagrado ?

Tais questões o intrigavam, mas não o impediam de continuar adiante com seu projeto, sua meta de vida.

Cavalgando uma noite enquanto fitava as estrelas, uma estrela lhe chamou a atenção: era uma estrela diferente das demais, e parecia crescer lentamente de maneira quase imperceptível, mas crescendo sempre.

Continuou cavalgando - era uma noite sem lua, mas a luz das estrelas iluminava perfeitamente seu caminho, até que se deu conta que aquela estrela estava grande demais.

Parou seu cavalo, mas permanecendo montado, continuou a fitar a estrela cor de fogo, que agora crescia de maneira assustadora: será que apenas ele a estava vendo ? Seria algum delírio de sua mente cansada e estranha ?

A estrela tomou o tamanho de uma nuvem, e ele pode vê-la claramente: era um pentagrama em chamas, que parecia avisar-lhe de que algo inesperado ainda estava por vir.

Apesar do tamanho dela ser assustador, virou seu corcel em sua direção e começou a cavalgar decidido, pensando que talvez a estrela lhe indicasse o caminho do Graal ou de algo importante.

A estrela cintilou e seu fogo pareceu se animar, para depois começar lentamente a se esvair, até que nada sobrou no firmamento, além das estrelas ordinárias.

Ao longe começou ele a perceber formas de uma antiga construção, e continuou a cavalgar, cada vez mais excitado com a ideia de encontrar algo diferente. Além disso, aquelas sensações estranhas se apoderavam dele novamente, o que o fez pensar que estava no caminho certo, no caminho da luz.

Chegou a uma espécie de templo, que parecia abandonado, mas que outrora deveria ter sido imponente.

Viu no chão colunas abatidas, e uma porta que dava acesso a uma câmara inferior.

Resolveu deixar seu cavalo pastar um pouco e adentrar aquela porta que se encontrava aberta, munido de uma tocha que acabara de acender batendo uma pedra em outra e inflamando um bocado de capim.

Nada viu na antessala, mas um objeto no fundo de um poco lhe chamou a atenção - era uma pedra com uma argola de ferro: puxando-a, deparou-se com outra câmara e no fundo desta, outra pedra com argola.

Ao final de nove câmaras, já quase no limite do tempo limitado a capacidade de sua tocha, vislumbrou um altar com uma placa de ouro sobre a qual estavam gravadas quatro letras inefáveis hebraicas.

Pegou a placa e tentou dizer o que estava escrito, mas quando começou a soletrar, uma lufada de ar vinda de fora lhe apagou a tocha. Colocou o triângulo em seu pescoço com as letras viradas para dentro, e resolveu não mais tentar lê-las.

Caminhou em direção a luz externa e acendendo novamente a tocha, retornou para dentro, onde encontrou outra porta, desta vez fechada: resolveu bater, e eis que responderam-lhe do mesmo modo que batera.

Forçando levemente a porta, deparou-se com o templo mais lindo que já vira: era uma beleza tão estonteante que ele desejou nunca mais sair dali, mas ninguém estava ali para recebê-lo.

Logo sua atenção foi presa pela figura de um quadrado, que continha um círculo em seu interior, pintados no chão onde estava pisando, sugerindo-lhe que o infinito era também estável naquele lugar.

Mas e quem respondera às suas batidas ?

Procurou incessantemente, mas ninguém encontrou - uma sensação de medo começou a dominar-lhe as entranhas, fazendo-o correr para o exterior novamente.

Aquela beleza ficaria para sempre guardada em sua memória, mas sentiu que não era seu lugar ali...

GEBURAH - A FORÇA

Continuou sua jornada, em busca do Graal, perscrutando em todos os recantos possíveis daquele reino, mas começou a se sentir sem forcas para continuar aquela jornada.

Lembrou do que o velho lhe dissera sobre abraçar um menir, e começou a procurar um que estivesse em um sitio de grande poder energético, para reabastece-lo.

Após cavalgar ate quase a exaustão de seu cavalo, encontrou um menir que devia ser da altura de dois homens, cravado no meio de uma clareira aberta em meio a floresta.

Estranho era que parecia que há muito tempo ninguém ia ali, mas o mato não crescia muito grande perto do menir, bastava apenas para tampar o solo evitando que as chuvas levassem a terra.

Desmontou de seu cavalo e caminhando ate o menir o abraçou, apenas da cintura para cima, como lhe recomendara o velho ermitão.

Sentiu a forca da energia emanada daquele local, ao mesmo tempo que sentia suas forcas se reabastecerem.

Era uma força milenar, há séculos que aquela pedra devia estar ali naquela posição, irradiando como uma antena sua energia para uma rede fluídica que poucos deviam conhece-la.

Começou a sentir-se estranho, mas queria recarregar-se ao máximo, por isso continuou abraçado a pedra.

De repente, sua visão começou a toldar-se e uma dor de cabeça insuportável abateu sob seu crânio, fazendo-o desmaiar.

Espirais multicores e serpentes mordendo a própria cauda rodopiavam em seu delírio, seguidos de outras imagens mais estranhas ainda.

Em meio ao seu estupor, vislumbrou ele uma arca de madeira, revestida de ouro, suspensa por argolas que tinhas bastões passados por elas para carrega-la, e escutou uma voz dizendo-lhe que aquela arca guardou a tradição, guardou a Lei, que havia também sumido.

Seus sonhos cada vez mais o intrigavam, e ele atônito, acordou todo empapado em suor, e com uma dor de cabeça terrível.

Parece que ele havia provado uma sobrecarga da forca telúrica, e que não havia resistido...

CHESED - MISERICÓRDIA

Resolveu dormir ali mesmo, visto que estava ainda cansado, mas tomou uma distancia segura do menir, e dormiu.

Acordou com um hálito terrível sobre seu rosto em meio a madrugada nebulosa e úmida do local.

Quase morreu de susto ao ver uma encarquilhada sibila fitando-o nos olhos. A velha tinha um esboço de sorriso na sua boca sem dentes, e estava muito deliciada com a visão daquele cavaleiro ali deitado, inerme, encolhido como se fosse uma criança.

Aproximou-se dele e disse que graças a sua misericórdia, ele ainda estava vivo, pois ele havia tomado uma sobrecarga energética tão grande que havia morrido, mas ela, uma feiticeira experiente, o trouxe de volta a vida.

Aproveitou ela para dizer-lhe que para se renovar e preciso morrer, morrer para certos valores e hábitos e nascer para outros que renovariam sua alma, fazendo com que mais e mais ele se tornasse mais parecido com a Luz que buscava.

Mas alertou-o de que a senda da ascensão espiritual nunca acabaria, e que ele sempre estaria procurando algo.

Como presente para o cavaleiro, deu-lhe um punhal de prata com o cabo de ouro, sussurrou-lhe a enigmática frase, também gravada no punhal - "Ordo ab Chao", e o fez prometer que usaria aquele punhal para afastar as paixões humanas de seu caminho.

Após ter dito isto, voltou-se para a escuridão da mata e desapareceu como apareceu, sem nenhum ruido.

Como aquele caminho era cheio de peripécias e promessas !

BINAH - INTELIGÊNCIA

Aquele acontecimento fez-lhe pensar no que a velha havia lhe dito. Será que morrera mesmo, ou seria apenas uma alegoria ?

Será que ele devia pensar em parar de vagar atras do cálice sagrado, ou deveria busca-lo continuamente ?

Será que alguém já o encontrou ?

Sentia-se impotente, sua inteligência não bastava para descobrir os augustos mistérios que envolviam sua vida.

Pensou em parar para meditar em algum local, mas ainda era muito cedo para parar, então começou a pensar e remoer assuntos em sua cabeça, enquanto cavalgava.

Em certo ponto deparou-se com um roseiral, e imaginou-se sendo uma rosa que desabrochava para a vida, cada vez mais consciente do mundo em que vivia.

Sentiu que era imperativo deter-se ali por um momento, e assim o fez, desmontando de seu fiel e incansável cavalo...

Em meio ao roseiral achou um pequeno espaço em que podia deitar-se, o sol ainda estava fraco e não o incomodaria.

Deitou-se com os pés juntos, mas não resistiu à tentação de abrir os braços e ficar na mesma posição em que estava a cruz de seu manto.

Nessa posição assim ficou, ate que num êxtase, começou a sentir seu peito expandir-se e explodir em amor para todo o universo, sentiu seu peito abrindo-se, desabrochando-se como uma rosa, exalando seu perfume para todo o mundo.

Seu perfume era o Amor...

Seu êxtase durou um bom tempo, ate que sentiu o sol queimar- lhe a face, o que o fez lentamente retornar a este mundo.

Mas o sentimento que sentia, ia muito além de sua inteligência, não precisava dela para explica-lo, podia apenas senti-lo, aquele amor que ate doía no peito, mas um amor excessivamente lindo e universal.

CHOCHMAH - A SABEDORIA

Após acordar daquele êxtase, deparou-se com uma mulher formosíssima que o fitava incessantemente, emanando um sentimento de paixão que o arrebatou.

Ainda no chão, o cavaleiro tentou organizar seus pensamentos, mas eles estavam toldados pela visão da bela criatura: seu vestido tinha uma sutil transparência, que atravessado pelos raios do sol, deixava entrever a forma do corpo da bela jovem.

"Você pode estar extasiado pela minha beleza - disse ela - mas não pode compreender a sabedoria que carrego. Todas as ciências do mundo conheço, mas não posso ter uma vida normal, pois não sou deste orbe. - ajuntou a jovem, visivelmente perturbada.

A vida e uma Escada Misteriosa que devemos subir para aperfeiçoarmos, não titubeando nessa ascensão. Como eu já subi os sete degraus do Amor a Deus, que são a Justiça, a Pureza, a Doçura, a Força, o Trabalho, a Paciência e a Prudência, você também devera exercitar estes valores, para depois tornar-se sábio nas Ciências dos homens, no qual você exercitara o Amor ao Próximo, descendo pelos outros sete degraus da Escada Misteriosa da vida, estudando a Astronomia, a Música, a Geometria, a Aritmética, a Logica, a Retorica e a Gramatica, praticando-as para servir o próximo e a Deus.

Só após retificar-se, poderá tornar-se um iluminado como eu, pois já exercitei-me em todas as quatorze virtudes que te falei.

Mas mesmo após praticares o bem, você deve sempre continuar buscando a perfeição, para que se torne um Grande Cavaleiro da Ordem e da Bondade."

Após esta narração, começaram irromper asas enormes das costas da jovem, e após as asas estarem completamente formadas, ela disse ao cavaleiro: "Vincere aut Mori" e alçando voo, alcançou uma grande águia negra de duas cabeças.

Juntamente com a águia, a belíssima jovem voou, voou, ate desaparecer na altura do firmamento.

KETHER - A CORÔA

Atordoado, nosso cavaleiro agora compreendeu que sua busca nunca teria fim, e que nunca ele alcançaria seu objetivo nem acharia o Graal.

Descobriu que o Graal era apenas uma alegoria, que significava que ele, cavaleiro, deveria receber com a alma aberta todos os ensinamentos e todas as lições que a vida proporcionar-lhe-ia.

Só assim ele transformar-se-ia em um Iluminado, tal qual a mulher lhe falara.

Mas já vivera tanto, já ate morrera e retornara da morte que não sabia ele o que ainda ele deveria procurar...

Lembrou-se da serpente que mordia sua própria cauda, lembrou-se ele do circulo interminável, e lembrou-se de todos os episódios de sua jornada ate aquele encontro com a jovem.

A coroação do seu trabalho seria entender que seu este não terminara - e isto ele ja havia compreendido.

Foi então que ao entardecer, viu uma águia branca, linda que voava em sua direção.

Só quando a águia estava bem perto dele, e que ele viu, aterrorizado, que esta águia também tinha duas cabeças. Lembrou-se da jovem e de sua sabedoria.

A visão da jovem era vivida em sua mente, ate que foi quebrada por uma voz ensurdecedora que a águia emitia pousada num galho próximo.

A águia branca bicéfala repetia uma frase, mas o cavaleiro não conseguia compreende-la.

Falava em Deus, e também falava em direito.

Subitamente, pareceu compreender a frase "Deus Meumque Jus", e quando repetiu-a a águia levantou voo e desapareceu...

Compreendera o cavaleiro que agora sim, agora e que sua busca fora coroada...

Fora coroada o inicio de sua busca interior, todos sempre seriam aprendizes, todos estariam sempre aprendendo alguma coisa, ate que o Grande Geômetra do Universo os chamasse para com ele habitar o Oriente Eterno...

Posto isto, nosso cavaleiro levantou-se e reiniciou sua cavalgada, não mais procurando o Graal, mas sim procurando sentir-se como o Graal.

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