Acordei com o silêncio dos passarinhos e o barulho das nuvens. Alguma coisa não estava certa no ar. Estava com uma ressaca de carnaval, meio assim mareado, com a boca ruim, mas não tinha muita certeza do porquê.
Lembrava que o Carnaval fora alegre, divertido. Blocos saíram às ruas festejando a alegria, barulhentos e contentes. Mas não me lembro o que aconteceu depois. Só de acordar agora.
Resolvi sair para a rua, que, deserta, gritava-me alguma coisa que eu não entendia. Subi a Frei Gonzaga, e para minha surpresa, a Igreja Matriz estava fechada. Nem pude perguntar a Nossa Senhora o porquê de tanta desolação. A igreja me fitava, naquele seu azul imutável, muda.
Desci para a praça Tiradentes.
O silêncio era assustador. Onde estariam os cambalacheiros e suas pedras que agora dormiam em seus leitos? Onde estaria todo mundo? Só o que eu via era o vazio, a ausência.
Nenhum aposentado na praça, que, apesar do calor que sempre reina por aqui, estava agradável por causa de suas grandes árvores que me davam cobertura contra o Sol abrasador.
Passou algo por mim, por trás das minhas costas, e me virei rapidamente para ver se conseguia falar com alguém, mas apenas era um emaranhado de folhas e lixo, rolando indiferente à minha pessoa, embalado pela brisa fresca, até agradável. Não quis conversa.
A Pochichá me fitava com os olhos baços e o nariz vermelho, com aquele sentimento triste de quem não trafega mais, lhe faltam os trilhos, e aprisionada em seus gradis, estava pesarosa porque não passeia mais para a praia para buscar novidades.
Os únicos habitantes que eu via, antes assustadiços nas copas das árvores, agora se arrastavam tranquilos nas suas displicências pelo chão da praça, naquela pachorra que lhes dava o nome próprio, preguiças que combinavam com todo aquele remanso.
Era o vírus… Aquela coisinha minúscula, invisível. Ele parou tudo. Ele igualou a todos… Ricos e pobres, não tinham para onde fugir. Isolados em suas casas, deixavam o mundo lá fora correr seu curso natural.
E continuei a andar, naquele silêncio de portas fechadas, me sentindo uma Lady Godiva do Mucuri, até a avenida que beira o rio: a Luiz Boali.
Meus passos ecoavam e ressoavam nas janelas fechadas que me fitavam veementes enquanto eu caminhava. Ninguém apareceu nos caixilhos para me saudar. Me senti sozinho.
Chegando às grades do centro da avenida, olhei para dentro do rio e me espantei: suas águas, antes poucas, rolavam e marulhavam de alegria, limpas, novamente prístinas, exaltando à minha pessoa a alegria que lhes haviam tomado e que recuperaram.
A natureza estava feliz, se recuperando, mas o povo não. Contudo, eu sentia o planeta se curando de um desgaste incansável, de um embate que ele travava todos os dias com seus habitantes.
E de pé, ali na beirada do rio, eu me perguntava se Deus tinha esquecido deles. Muitos estavam com medo, e no distanciamento de seus lares, assistiam o mundo passar pelas suas janelas, viam o céu ficar cada vez mais azul, viam o ar ficar cada vez mais limpo, os pássaros felizes, e até a chuva mudar com seus relâmpagos coloridos, que há muito não apareciam.
E Deus, o Grande Arquiteto de tudo e de todos, me fitava lá do alto, parado, na cidade de Filadélfia, a cidade dos amigos, e pensava pesaroso que talvez nunca os humanos aprendessem que eles eram apenas um povo, sem fronteiras, sem distinção de credo, de raça ou de cor.
Deus escreve certo…
E eu, na minha solidão, só o que via era o nada, ninguém, e o silêncio.
E ainda por cima, ainda nem tinha tomado café...
Lembrava que o Carnaval fora alegre, divertido. Blocos saíram às ruas festejando a alegria, barulhentos e contentes. Mas não me lembro o que aconteceu depois. Só de acordar agora.
Resolvi sair para a rua, que, deserta, gritava-me alguma coisa que eu não entendia. Subi a Frei Gonzaga, e para minha surpresa, a Igreja Matriz estava fechada. Nem pude perguntar a Nossa Senhora o porquê de tanta desolação. A igreja me fitava, naquele seu azul imutável, muda.
Desci para a praça Tiradentes.
O silêncio era assustador. Onde estariam os cambalacheiros e suas pedras que agora dormiam em seus leitos? Onde estaria todo mundo? Só o que eu via era o vazio, a ausência.
Nenhum aposentado na praça, que, apesar do calor que sempre reina por aqui, estava agradável por causa de suas grandes árvores que me davam cobertura contra o Sol abrasador.
Passou algo por mim, por trás das minhas costas, e me virei rapidamente para ver se conseguia falar com alguém, mas apenas era um emaranhado de folhas e lixo, rolando indiferente à minha pessoa, embalado pela brisa fresca, até agradável. Não quis conversa.
A Pochichá me fitava com os olhos baços e o nariz vermelho, com aquele sentimento triste de quem não trafega mais, lhe faltam os trilhos, e aprisionada em seus gradis, estava pesarosa porque não passeia mais para a praia para buscar novidades.
Os únicos habitantes que eu via, antes assustadiços nas copas das árvores, agora se arrastavam tranquilos nas suas displicências pelo chão da praça, naquela pachorra que lhes dava o nome próprio, preguiças que combinavam com todo aquele remanso.
Era o vírus… Aquela coisinha minúscula, invisível. Ele parou tudo. Ele igualou a todos… Ricos e pobres, não tinham para onde fugir. Isolados em suas casas, deixavam o mundo lá fora correr seu curso natural.
E continuei a andar, naquele silêncio de portas fechadas, me sentindo uma Lady Godiva do Mucuri, até a avenida que beira o rio: a Luiz Boali.
Meus passos ecoavam e ressoavam nas janelas fechadas que me fitavam veementes enquanto eu caminhava. Ninguém apareceu nos caixilhos para me saudar. Me senti sozinho.
Chegando às grades do centro da avenida, olhei para dentro do rio e me espantei: suas águas, antes poucas, rolavam e marulhavam de alegria, limpas, novamente prístinas, exaltando à minha pessoa a alegria que lhes haviam tomado e que recuperaram.
A natureza estava feliz, se recuperando, mas o povo não. Contudo, eu sentia o planeta se curando de um desgaste incansável, de um embate que ele travava todos os dias com seus habitantes.
E de pé, ali na beirada do rio, eu me perguntava se Deus tinha esquecido deles. Muitos estavam com medo, e no distanciamento de seus lares, assistiam o mundo passar pelas suas janelas, viam o céu ficar cada vez mais azul, viam o ar ficar cada vez mais limpo, os pássaros felizes, e até a chuva mudar com seus relâmpagos coloridos, que há muito não apareciam.
E Deus, o Grande Arquiteto de tudo e de todos, me fitava lá do alto, parado, na cidade de Filadélfia, a cidade dos amigos, e pensava pesaroso que talvez nunca os humanos aprendessem que eles eram apenas um povo, sem fronteiras, sem distinção de credo, de raça ou de cor.
Deus escreve certo…
E eu, na minha solidão, só o que via era o nada, ninguém, e o silêncio.
E ainda por cima, ainda nem tinha tomado café...
* Conto premiado com 1o lugar no V Concurso literário da Academia de Letras de Teófilo Otoni, em 2020
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