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segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Estranho personagem, esse tal de motociclista.






Difícil crer que seja possível preferir o desconforto de uma
motocicleta, onde se fica instavelmente instalado sobre um banquinho
minúsculo, tendo que fazer peripécias para manter o equilíbrio e
torcendo para que não haja areia na estrada.


Como podem achar bom transportar o passageiro, dito garupa, sem nenhum
conforto ou segurança, forçando o coitado a agarrar-se à pança do
motociclista, sujeitando ambos a toda sorte de desconfortos, como
chuva, ou mesmo aquela "ducha" de água suja jogada pelo carro que
passa sobre a poça ao lado, ou de ficarem inalando aquele malcheiroso
escapamento dos caminhões em uma avenida movimentada como a marginal
Tietê, por exemplo, sem falar da necessidade de se utilizar capas,
casacos e capacetes, mesmo naqueles dias de calor intenso.


Isso tudo enquanto convivemos numa época em que os automóveis nos
oferecem toda sorte de confortos e itens de segurança.
Ar-condicionado, que permite que você chegue ao trabalho sem estar
fedendo e suado; "air bags", barras laterais, cintos de três pontos,
etc., que conferem ao passageiro uma segurança mais do que necessária;
som ambiente; possibilidade de conversar com os passageiros (OS
passageiros...) sem ter que gritar e assim por diante.


Intrigante personagem, esse tal de motociclista.


Apesar de tudo o que disse acima, vejo sempre em seus rostos um
estranho e particular sorriso, que não me lembro de haver esboçado
quando em meu carro, mesmo gozando de todas as facilidades de que ele
dispõe.


Passei, então, a prestar um pouco mais de atenção e percebi que,
durante minhas viagens, motociclistas, independente de que máquinas
possuíssem, cumprimentavam-se uns aos outros, apesar de aparentemente
jamais terem se visto antes daquele fugaz momento, quando se cruzaram
em uma dessas estradas da vida.


Esquisito...Prestei mais atenção e descobri que eles freqüentemente se
uniam e reuniam, como se fossem amigos de longa data, daqueles que
temos tão poucos e de quem gostamos tanto. Senti a solidariedade que
os une. Vi também que, por baixo de muitas daquelas roupas de couro
pesadas, faixas na cabeça, luvas, botas, correntes e caveiras, havia
pessoas de todos os tipos, incluindo médicos, juízes, advogados,
militares, etc. que, naquele momento, em nada faziam lembrar os
sisudos, formais e irrepreensíveis profissionais que eram no seu dia a
dia. Descobri até alguns colegas, a quem jamais imaginei ver
paramentados tão estranhamente.


Muito esquisito... Ao conversar com alguns deles, ouvi dos indizíveis
prazeres de se "ganhar a estrada" sobre duas rodas; sobre a sensação
deliciosa de se fazer novos amigos por onde se passa; da alegria da
redescoberta do prazer da aventura, independente da idade; e da
possibilidade de se ser livre e alegre, rompendo barreiras que existem
apenas e tão somente em nossas mentes tão acostumadas à mediocridade.


Vi ouvi e meditei sobre o assunto... Mudei minha vida...


Maravilhoso personagem, esse tal de motociclista. Muitas motos eu
tive, mas jamais fui um verdadeiro motociclista, erro que, em tempo,
trato agora de desfazer. Mais que uma nova moto, a moto dos meus
sonhos.


Mais que apenas uma moto, o rompimento dos grilhões que a mim impunham
o medo e o preconceito e que por tanto tempo me impediram de desfrutar
de tantas aventuras e amizades. Deus sabe o tempo que perdi e as
experiências que deixei de vivenciar. Se antes olhava-os com
estranheza, mesmo sendo proprietário de uma moto (mas não um
motociclista), vejo-os agora com profunda admiração e, quando não
estou junto, com uma deliciosa pontinha de inveja.


O interessante, é que conheço pessoas que jamais possuíram moto, mas
que estão em perfeita sintonia com o ideal motociclista. Algumas
chegam até mesmo a participar de encontros e listas de discussão, não
que isto seja imprescindível ou importante. O que importa é a
filosofia envolvida.


Hoje, minha esposa e eu, montados em nossos sonhos, planejamos, ainda
timidamente, lances cada vez maiores, sempre dispostos a encontrar
novos velhos amigos, que certamente nos acolherão de braços abertos.
Talvez, com um pouco de sorte, encontremos algum motorista que, em seu
automóvel, note e ache estranho aquele personagem que, passando em uma
motocicleta, com o vento no rosto, ainda que sob chuva ou frio,
mostre-se alheio a tudo e feliz, exibindo um largo e incompreensível
sorriso estampado no rosto.


Quem sabe ganhemos, então, mais um irmão motociclista para o nosso grupo.


Fernando Drummond

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