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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Resposta de uma professora de Curitiba à revista Veja

Sou professora do Estado do Paraná e fiquei indignada com a reportagem
da jornalista Roberde Abreu Lima, "Aula Cronometrada". É com grande
pesar que vejo quão distante estão seus argumentos sobre as causas do
mau desempenho escolar com as VERDADEIRAS  razões que  geram este
panorama desalentador.

Não há necessidade de cronômetros, nem de especialistas  para
diagnosticar as falhas da educação. Há necessidade de todos os que
pensam que "os professores é que são incapazes de atrair a atenção de
alunos repletos de estímulos e inseridos na era digital" entrem numa
sala de aula e observem a realidade brasileira.

Que alunos são esses "repletos de estímulos" que muitas vezes não têm
o que comer em suas casas quanto mais inseridos na era digital? Em que
 pais de famílias oriundas da pobreza  trabalham tanto que não têm
como acompanhar os filhos  em suas atividades escolares, e pior, em
orientá-los para a vida?

Isso sem falar nas famílias impregnadas pelas drogas e destruídas pela
ignorância e violência, causas essas que infelizmente são trazidas
para dentro da maioria das escolas brasileiras.

Está na hora dos professores se rebelarem contra as acusações que lhes
são impostas. Problemas da sociedade deverão ser resolvidos pela
sociedade e não somente pela escola.

Não gosto de comparar épocas, mas quando penso na minha infância, onde
pai e mãe, tios e avós estavam presentes e onde era inadmissível
faltar com o respeito aos mais velhos, quanto mais aos professores e
não cumprir as obrigações, fossem escolares ou simplesmente caseiras,
faço comparações com os alunos de hoje "repletos de estímulos".

Estímulos de quê? De passar o dia na rua, não fazer as tarefas, ficar
em frente ao computador, alguns até altas horas da noite (quando o
têm), brincando no Orkut ou, o que é ainda pior, envolvidos nas
drogas. Sem disciplina, seguem perdidos na vida.

Realmente, nada está bom. Porque o que essas crianças e jovens
procuram é amor, atenção, orientação e disciplina.

Rememorando o que tínhamos nós, os mais velhos, há uns anos atrás de
estímulos? Simplesmente: responsabilidade, esperança, alegria.

Esperança de que, se estudássemos, teríamos uma profissão, seríamos
realizados na vida.

Hoje os jovens constatam que, se venderem drogas, vão ganhar mais.
Para quê o estudo?

Por que, numa época com tantos estímulos, não vemos olhos brilhantes nos jovens?

Quem, dos mais velhos, não lembra a emoção de somente brincar com os
amigos, de ir aos piqueniques, subir em árvores?

E, nas aulas, havia respeito, amor pela pátria... Cantávamos o hino
nacional diariamente, tínhamos aulas "chatas" só na lousa e sabíamos
ler, escrever e fazer contas com fluência.

Se não soubéssemos, não iríamos para a 5ª série. Precisávamos passar
pelo terrível, mas eficiente, "exame de admissão". E tínhamos
motivação para isso.

Hoje, professores "incapazes" dão aulas na lousa, levam filmes,
trabalham com tecnologia, trazem livros de literatura juvenil para
leitura em sala-de-aula (o que às vezes resulta em uma revolução),
levam alunos à biblioteca e a outros locais educativos (benza, Deus,
só os mais corajosos!) e, algumas escolas públicas, onde a renda dos
pais comporta, até a passeios interessantes, planejados
minuciosamente, como ir ao Beto Carrero...

E, mesmo, assim, a indisciplina está presente, nada está bom. Além
disso, esses mesmos professores "incapazes" elaboram atividades
escolares como provas, planejamentos, correções nos fins-de-semana ,
tudo sem remuneração.

Todos os profissionais têm direito a um intervalo que não é
cronometrado quando estão cansados.

Professores têm 10 minutos de intervalo, quando têm de escolher entre
ir ao banheiro ou tomar às pressas o cafezinho. Todos os profissionais
têm direito ao vale alimentação, mas professor tem que se sujeitar a
um lanchinho, pago do próprio bolso, mesmo que trabalhe 40 horas
semanais.

E a saúde? É a única profissão que conheço que, embora apresente
atestado médico, tem que repor as aulas. Plano de saúde? Muito
precário!

Há de se pensar, então, que  são bem remunerados... Mera ilusão! Por
isso, cada vez vemos menos profissionais nessa área, só permanecem os
que realmente gostam de ensinar, os que estão se aposentando e estão
perplexos com as mudanças havidas no ensino nos últimos tempos e os
que aguardam uma chance de "cair fora".

Todos devem ter vocação para Madre Teresa de Calcutá, porque, por mais
que se esforcem em ministrar boas aulas, ainda ouvem alunos chamá-los
de "vaca", "puta", "gordos", "velhos", entre outras coisas. Como isso
é motivante e temos ainda que ter forças para motivar. Mas, ainda não
é tão grave.

Temos notícias, dia-a-dia,  até de agressões a professores por alunos.
Futuramente, esses mesmos alunos, talvez agridam seus pais e
familiares.

Lembro de um artigo lido, na revista Veja, de Cláudio de Moura Castro,
que dizia que um país sucumbe quando o grau de incivilidade de seus
cidadãos ultrapassa um certo limite.

E acho que esse grau já ultrapassou. Chega de passar alunos que não merecem.

Assim, nunca vão saber por que devem estudar e se comportar na sala de
aula; se passam sem estudar mesmo, diante de tantas chances, e com
indisciplina... E isso é um crime! Vão passando série após série, e
não sabem escrever nem fazer contas simples. Depois a sociedade os
exclui, porque não passa a mão na cabeça. Ela é cruel e eles já são
adultos.

Por que os alunos do Japão estudam? Por que há cronômetros? Os
professores são mais capacitados? Talvez, mas o mais importante é
porque há disciplina.

E é isso que precisamos e não de cronômetros. Lembrando: o professor
estadual só percorre sua íngreme carreira mediante cursos,
capacitações que são realizadas, preferencialmente aos sábados.
Portanto, a grande maioria dos professores está constantemente
estudando e se aprimorando. Em vez de cronômetros, precisamos de
carteiras escolares, livros, materiais, quadras-esportivas cobertas
(um luxo para a grande maioria de nossas escolas), e de lousas, sim,
em melhores condições e em maior quantidade.

Existem muitos colégios nesse Brasil afora que nem cadeiras possuem
para os alunos sentarem. E é essa a nossa realidade!  E precisamos
também urgentemente de educação, para que tudo que for fornecido ao
aluno não seja destruído por ele mesmo.
Em plena era digital, os professores ainda são obrigados a preencher
os tais livros de chamada à mão: sem erros, nem borrões (ô, coisa
arcaica!), e ainda assim se ouve falar em cronômetros.

Francamente!!!

Passou da hora de todos abrirem os olhos e fazerem algo para evitar
uma calamidade no país, futuramente. Os professores não são culpados
de uma sociedade incivilizada e de banditismo, e finalmente, se os
professores até agora não responderam a todas as acusações de serem
despreparados e  "incapazes" de prender a atenção do aluno com aulas
motivadoras, é porque não tiveram TEMPO.

Responder a essa reportagem custou-me metade do meu domingo, e duas
turmas sem as provas corrigidas.

Chega de ECA que não resolve nada, chega de Conselho Tutelar que só
vai a favor da criança e do adolescente (capazes às vezes de matar,
roubar e coisas piores)!

Chega de salário baixo! Todas as profissões e pessoas passam por
professores, deve ser a carreira mais bem paga do país, afinal os
deputados que ganham 67% de aumento tiveram professores, até mesmo os
"alfabetizados funcionais".

Pelo amor de Deus, somos uma classe com força!!! Somos politizados,
somos cultos, não precisamos fechar escolas, fazer greves, vamos
apresentar um projeto de Lei que nos ampare e valorize a profissão.

Vanessa Storrer, professora da rede municipal de Curitiba

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