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quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

Brasil Profundo

O Sol já ia a pino. Chegamos nessa casa da foto (que tirei lá in situ) lá pelas 10 da manhã, e fomos abordados por uma chusma de crianças ranhentas, espalhadas pelo quintal, parecia uma dúzia, pululavam por todos os cantos, vociferando impropérios uns com os outros que nem eu tenho tanta imaginação de ilustrar os adjetivos e substantivos chulos com que se chamavam. E nem tinham idade ainda para compreender o que significavam.

Um rapazinho um pouquinho maior, mais alimentado e corado, chegou puxando um caminhãozinho amarelo de plástico por um barbante cheio de emendas e soltou de chofre: 

- Cês são do Conselho Tutelar?

Era um vizinho mirim, no alto de seus prováveis 10 anos, provavelmente ávido por uma confusão, que saudou nossa equipe, talvez esperando alguma algaravia ou repressão. 

Nada havendo, retirou-se, puxando o seu caminhãozinho amarelo de rodinhas emperradas que ele mesmo me disse que nunca puxaria pequi.

Chamada a matriarca, ela revelou ser mãe solteira, mas não daquela miríade de crianças que trançavam por entre nossas pernas, comendo com as mãos imundas em pratos esmaltados um macarrão esmaecido, pálido e grudento, mas sim mãe de duas maiores, que de má vontade respondiam mal qualquer pergunta feita pela solteira-mãe-de-mães-solteiras-matriarca que tentava dar conta de toda aquela barafunda de gente pequena, indômita e incontrolável.

Os moleques desgrenhados brigavam entre si e contra os cachorros esquálidos, que sem razão lógica, os orbitavam abanando suas caudas em busca de aprovação ou de um pouco do macarrão. 

Um pequeno até deu uma paulada de graça com um cabo de vassoura à guisa de brinquedo na cabeça do cãozinho, que saiu ganindo de dor. Do nada. Sem razão. Por pura torpeza.

A matriarca solteira-mãe-de-mães-solteiras, era a mãe das duas respondonas, essas sim, mães daquele punhado de crianças desgrenhadas, desorganizadas, deseducadas e famélicas.

Não tinham horta, não comiam bem, o solo do terreno, morto por fogueiras itinerantes e maus tratos, se apresentava negro, contaminado com carvão, que sufocava até mesmo o pequizeiro gigante, que segundo a matriarca, insistia em não dar frutos. 
A terra tinha se exaurido.

Me espantei com a quantidade de crianças e a sempre ausência de pais - os homens, irresponsáveis, povoam o mundo com seus filhos e sumindo, delegam a criação para as mulheres. Sexo é bom, responsabilidade não...

Brasil profundo...

Sempre as mulheres - as fortalezas, as rochas que sustentam as famílias, constantemente elas se fazem como as Pelicanas, que nada tendo para alimentar seus filhotes acabam por bicar seus peitos para que o sangue os alimente.

E vendo aquela terra arrasada, aquela miríade de rebentos, me lembrei quando estagiei, em Enfermagem, em uma cidade da região metropolitana de Belo Horizonte, quando fiz 3 prés-natais de uma menina de 12 anos e no dia do quarto pré-natal ela apareceu com a barriga vazia e me explicou:

- Meu namorado não queria e me chutou até o nenê sair. 

Horrorizado, lembrei que ela já devia andar pelo quarto mês de gestação e fiquei imaginando a cena do aborto, eivada de sangue e violência, bem como o provável tamanho do feto. Que horror! Sexo é bom, já a responsabilidade...

Brasil profundo...

Lembrei também, no interior de Pernambuco, durante meu curso de Psicologia, quando visitei uma casa e uma menina de 12 anos também chegou com uma criança pequena sentada em seu quadril do lado esquerdo (como fazia a Lady Di) e do lado direito no chão estava outro rapazinho remelento, agarrado à camiseta cheia de furos da menina maior. Pedi que chamasse a dona da casa, a mãe de todos. Ela me respondeu:

- Eu sou a dona da casa. Tenho 12 anos e esse filho no chão tem 2 e esse no meu colo tem um. O que vocês querem? - horrorizados, a gente nem sabia o que dizer, nem como continuar a abordagem.

Brasil profundo...

Brasil de terras arrasadas por maus cultivos, de regiões inóspitas e ignotas, de barbáries que se fazem como se fossem da idade média, de cenas de terror e alienação, pobreza e sujeira. De infâncias e adolescências perdidas, de violência contra mulheres, contra pais, contra crianças...

E assim, viajando e conhecendo o Brasil vejo que vossas vãs filosofias, encasteladas em apartamentos urbanos com água corrente, energia, internet e Netflix, alimentadas por videozinhos em iPhones de último modelo, nada sabem, nada conhecem. Somos néscios.

E são Quilombolas, Indígenas, Povos Tradicionais, Assentados, toda gama desses vulneráveis que precisam de nossas ajudas, de conhecimento, de mudança de vidas, e que anseiam com as mãos estendidas, por algum alento.

Desconhecemos até onde vai a pobreza e falta de informação do Brasil profundo...

E isso me abala.

Sempre.

Brasil profundo...

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