por Reinaldo Azevedo
As expectativas não se cumpriram, com exceção, talvez, de uma delas: a
Igreja Católica achou que era chegada a hora de ter um papa não europeu. E
foi buscar o jesuíta Jorge Mario Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, que
figurava, sim, na lista dos papáveis, mas estava longe de ser considerado um
favorito.
O curioso é que ele era tido como um nome forte no conclave de
2005, justamente o que escolheu Bento XVI, a quem agora sucede.
É claro que é relevante o fato de ser o primeiro papa do continente
americano, particularmente do subcontinente latino-americano. Mas, na
Igreja, geografia diz menos do que algumas escolhas teológicas e
intelectuais.
O papa Francisco é um jesuíta, o primeiro da história da
Igreja. E isso, sim, é coisa relevante.
Santo Inácio de Loyola fundou a Companhia de Jesus em 1534. Só… 479 anos
depois, um seu sacerdote chega ao topo da Igreja. Isso não acontece por
acaso. Ao longo da história, a Companhia de Jesus se viu no centro das mais
estrambóticas teorias conspiratórias.
O Superior Geral da Ordem dos Jesuítas
tem tal poder sobre seus comandados que é chamado "Papa Negro", numa alusão
à batina preta. Também ele exerce cargo vitalício, a exemplo do papa. O
atual Superior Geral é o padre espanhol Adolfo Nicolás. Vamos ver.
Em vários momentos ao longo desses quase 500 anos, por que a Companhia de
Jesus entrou em confronto com o Vaticano, com a hierarquia católica e com
outras ordens religiosas? Um jogo de palavras do mais famoso jesuíta que
pregou no Brasil (e um dos maiores de todos os tempos), Padre Vieira,
ilustra o confronto de fundo e pode iluminar a escolha do papa Francisco.
No "Sermão da Sexagésima", Vieira faz uma distinção entre os "pregadores do
paço" e os "pregadores do passo". "Paço", como sabe o leitor, quer dizer
"palácio". Vieira, portanto, diferencia o pregador palaciano, o que fica
preso a seu conforto, daquele outro, como os jesuítas, que saíam pelo mundo
pregando a palavra de Deus.
Nesse famoso sermão — e não se esqueçam de que o próprio Vieira foi vítima
do tribunal da Inquisição —, o padre faz uma indagação com três hipóteses.
Pergunta ele por que fazia tão pouco fruto a palavra de Deus na Terra (e
olhem que estava na segunda metade do século XVII…). Poderia ser, especula,
por um desses três fatores: ou por culpa do povo, ou por culpa da Palavra de
Deus, ou por culpa dos pregadores.
Depois de um belíssima exposição sobre a
inocência do povo e da Palavra, ele conclui: "Sabeis, cristãos, por que não
faz fruto a palavra de Deus? Por culpa dos pregadores. Sabeis, pregadores,
por que não faz fruto a palavra de Deus? Por culpa nossa!".
A escolha de um jesuíta para Sumo Pontífice indica que a Igreja pretende,
sim, ser menos palaciana e mais missionária; menos apegada às pompas e
honrarias e mais voltada ao trabalho junto ao povo. Os jesuítas são a ordem
dos "sacerdotes do passo".
Mas atenção! Não se deve confundir essa vocação com qualquer tergiversação
ou fraqueza em matéria de doutrina. Isso vale para os jesuítas de maneira
geral e para o agora papa Francisco em particular. Ao contrário: jesuítas
são, por natureza, disciplinados e disciplinadores. A Companhia de Jesus
foi originalmente fundada em moldes quase militares.
Não há como ignorar que, num momento de crise da cúpula, em que se fala de
uma Cúria dividida em grupos, a escolha de um jesuíta, conhecido por seus
hábitos simples, austeros, é, em certa medida, "anticurial". A Igreja
escolhe o representante de uma ordem profundamente comprometida com o
trabalho missionário e educacional, mas famosa por seu pego férreo à
doutrina.
Mais um papado breve
Há outros sinais que não podem ser ignorados. O papa Francisco já tem 76
anos. Ao contrário do que se esperava, não se escolheu um "papa jovem". É
bem provável que a Igreja tenha decidido encurtar os papados. Como não pode
definir um tempo de mandato, escolheu como variável de ajuste o idade do
indicado.
Muito dificilmente o pontificado de Francisco durará 27 anos, como
o de João Paulo II, que, aos 76 anos, idade do atual Sumo Pontífice,
comandava a Igreja havia já 18 anos — assumiu o comando aos 58.
Os jesuítas são os mais importantes educadores da Igreja Católica. Chegaram
a ser acusados, em vários momentos da história, de ser mais apegados à
lógica do que a mística do Cristo Salvador. No mais das vezes, o que se
apresentava como conflito religioso era só mais um dos confrontos mundanos.
Esse preconceito, como qualquer outro, se assentava numa falsidade de base
verossímil: a Companhia de Jesus nunca abriu mão de suas prioridades em
benefício dos interesses nem sempre muito pios da Igreja Católica.
No Brasil, por exemplo, os jesuítas entraram em conflito com os colonizadores e
com a Coroa portuguesa. Em 1759, o Marquês de Pombal os expulsa do país,
havia perto de 700 no país, e confisca os bens da ordem. Foram levados de
navio a Portugal e presos.
Francisco agora é papa e tem autoridade sobre toda a Igreja. Mas segue sendo
um jesuíta. Que o disciplinador do passo imponha ordem às disputas do paço.
Fonte: Blog Reinaldo Azevedo
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