Texto: Geraldo Tite Simões
(09-05-11) – Nos anos 1980 o psicólogo e professor Dan Kiley
surpreendeu o mundo científico com a publicação do livro "Síndrome de
Peter Pan", no qual defendia a doentia incapacidade de alguns homens
em crescer, no sentido do amadurecimento intelectual e comportamental.
Segundo esta teoria (já aceita como doença), os homens com a tal
síndrome têm dificuldade de aceitar que já entraram no mundo adulto e
continuam se comportando como adolescentes, de forma irresponsável,
rebelde e quase sociopata.
Bom, nem precisava escrever um livro, porque até a Eva já tinha
percebido que o Adão e todos os homens que vieram a seguir nunca
passaram dos 15 anos de idade!
Aquilo que as mulheres tanto detestam na mais evidente característica
masculina e causa principal das eternas crises conjugais é também
responsável pela fila cada vez maior nos hospitais e agências
funerárias. Sim, quem me conhece sabe que não compartilho o tabu geral
da mídia especializada ao tocar no tema morte. Motociclistas morrem
sim.
Quando dava aulas de fotografia na faculdade de jornalismo costumava
começar com uma pegadinha: qual a condição essencial para enxergarmos
os objetos? A quase totalidade dos alunos respondiam "ter luz". Então
eu usava uma imagem comum nos filmes policiais: imagine que você está
sendo interrogado em uma sala escura. À sua frente um detetive joga um
facho de luz bem forte nos seus olhos, você será capaz de vê-lo? Não,
obviamente, no entanto tem luz! A condição para vermos os objetos é
que haja a reflexão da luz. A luz atinge o objeto que volta para meio
e seus olhos podem vê-lo.
Hoje, no meu curso de pilotagem de moto SpeedMaster eu faço a
pergunta: qual a condição essencial para um motociclista morrer? E as
respostas são variadas, como imprudência, negligência, imperícia etc.
Mas a resposta certa é apenas uma: a condição essencial para que
qualquer pessoa morra é estar viva, apenas essa, mais nenhuma!
Mas é disso que muitos motociclistas esquecem: nós somos mortais!
A partir daí desenvolvi a teoria da Síndrome de Highlander, aquele
personagem do filme do mesmo nome, que atravessa a história como
imortal. Ele só morre se cortarem-lhe a cabeça. A imortalidade já foi
tema de inúmeros livros, filmes e permeia a história da humanidade
desde os primórdios. Um bom livro (e filme) a respeito é "Orlando", de
Virgínia Woolf.
O problema está na extrapolação da ficção para a realidade e pessoas
agirem como se fossem imortais. É isso que vejo hoje em dia nos vários
filmes na internet com motociclistas em motos esportivas pilotando a
300 km/h nas estradas como se fosse a coisa mais normal do mundo. Em
um destes filmes pode-se ver o motociclista ultrapassando os carros
pela direita a mais de 290 km/h e ainda por cima com a postura errada,
equipamento inadequado e total ausência de técnica.
Pouca gente sabe, mas até para correr a 300 km/h na reta é preciso
técnica, porque nós, pessoas, quando colocadas em cima da moto somos o
pior apêndice aerodinâmico possível.
E não pense que estou falando de filmes europeus ou americanos, onde
começou esta mania, mas são imagens feitas no Brasil, em estradas bem
perto de suas casas.
Ah, doce adrenalina
A principal característica a Síndrome de Highlander é a prepotência,
padrão de comportamento que transborda nos homens na faixa de 15 a 25
anos. É aquela famosa sensação de que as coisas ruins só acontecem com
os outros. A fascinação pelo perigo vem daí e do fanatismo por
histórias de personagens heroicos como Super-Homem e outros.
Por isso o exército recruta jovens na faixa de 18 anos. Tem nada a ver
com o vigor físico, porque um adulto de 30 anos pode ser mais bem
preparado fisicamente do que um sedentário de 18. Na real é para
aproveitar essa prepotência e mandar o moleque em direção ao campo
minado porque ele tem certeza de que só os outros explodirão pelos
ares.
Quando vejo essas imagens de motociclistas aparentemente adultos,
muitas vezes esclarecidos, donos de empresas, bem posicionados
financeiramente (uma moto destas custa mais de R$ 50.000) e até
inteligentes não consigo entender em que parte da vida ele deu uma
guinada de volta à adolescência.
Não é possível que um homem adulto, com dependentes à sua espera, com
um futuro inteiro pela frente, muitas vezes calçado na competência
profissional e intelectual seja capaz de se atirar numa estrada a 300
km/h disposto a matar ou morrer só pelo efêmero prazer da velocidade!
É inaceitável que a bordo dessas motos estejam pessoas que dirigem uma
empresa, que educam filhos, que controlam administrações públicas, mas
que voltam à adolescência só para provar aos amigos que tem um
brinquedo mais bacana ou é mais corajoso. Tenho a clara impressão de
que no momento que este homem adulto veste o macacão de couro, luvas e
botas ele incorpora o super-herói dos quadrinhos. O seu macacão é o
equivalente à roupa do Super-Homem. Acorda, aquilo era ficção! A
kryptonita do motociclista é o para-choque de um caminhão!
Pode parecer inacreditável, mas eu, com toda experiência de 40 anos
como motociclista, sendo 22 anos como piloto de competição e
razoavelmente experiente morro de medo de correr na estrada! Meus
amigos até brigam comigo porque sou muito lento para os padrões da
maioria, mesmo quando estou montado em uma esportiva de 180 cavalos.
Sem falar que odeio pagar multas.
E não me venham com aquele papo de que quem compra uma moto esportiva
quer acelerar tudo que ela dá porque isso é desculpa muito da
esfarrapada. Eu tive arma de fogo por mais de 15 anos e nunca matei
ninguém! Lembro de ter comprado a arma (um rifle de caça) porque a
achei bonita, bem acabada e fácil de acertar os alvos que criava no
sítio: latinhas de alumínio, garrafas pet e abacates. Mas vendi a arma
porque concluí que seria incapaz de atirar em uma pessoa ou qualquer
outro ser vivo.
Portanto é perfeitamente possível ter uma moto esportiva pela beleza
das linhas, pela tecnologia, pelos aspectos mais diferentes, sem se
deixar seduzir pela velocidade insana, em local inadequado.
Muitos psicólogos já tentaram definir esta necessidade que temos em
competir com veículos em alta velocidade. Nenhuma destas teorias
chegou nem perto da realidade, porque psicólogos não são pilotos. Mas
Platão foi o que melhor definiu, ao dizer, quatro séculos antes de
Cristo, que o sonho de todo homem é ser herói.
Os verdadeiros heróis são aqueles que perceberam a reles condição de
mortais e decidiram curtir a velocidade de suas esportivas no local
certo: na pista de corrida. Hoje já existem vários cursos de pilotagem
específicos para motos esportivas em várias cidades, realizados em
autódromos seguros. Também são feitos track-days para que o
motociclista possa extravasar essa sanha por velocidade, sem correr o
risco de levar mais algum inocente junto.
Durante uma corrida, ultrapassar um adversário é o momento mais
sublime. É a prova de coragem a habilidade ao mesmo tempo. E melhor:
está todo mundo vendo o seu feito heróico. Subir ao pódio e levar para
casa um troféu é a recompensa pelo heroísmo. E vencer é a glória total
que nos coloca efetivamente na condição de super-herói para todo mundo
ver e respeitar. Então porque fazer isso na estrada onde poucos estão
vendo e a maioria odiando aquilo?
Aliás, quando vejo estes filmes no youtube de motos a 300 km/h na
estrada, não consigo achar o sujeito corajoso nem habilidoso, só vejo
um louco sem noção. O melhor lugar para provar coragem e habilidade é
na largada de uma corrida, com 15 motos na frente, mais 15 atrás e
você ali no meio, com o coração a 220 bpm, pressão arterial em 18:12,
encharcado de adrenalina, mas absolutamente excitante. Confesso a você
leitor(a) que uma das situações mais difíceis de um piloto é parar de
correr, porque a adrenalina vicia, mas como qualquer droga pode matar!
Gostaria de dizer que todo o rider sente o equilibrio e age com a logica pois se agir com a emoçao ele e inesperiente frase dita por powerwheeling,90graus curitiba.
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